Novos editais da Receita Federal são oportunidades para contribuintes que desejam transacionar
No âmbito da Receita Federal, a Portaria RFB n° 555/2025 estabelece as diretrizes para a transação de créditos tributários em discussão no contencioso administrativo fiscal. A transação no âmbito da Receita Federal pressupõe a existência de “contencioso administrativo fiscal”[1], o qual se considera instaurado quando o sujeito passivo apresenta uma impugnação, ou manifestação de inconformidade ou recurso[2].
Um dos principais objetivos da transação, conforme o artigo 3º da Portaria, com respaldo do artigo 1° da Lei da Transação (Lei n° 13.988/2020),[3] é a redução de litígios. Isso confere eficiência para as atividades do Fisco, com incremento de arrecadação e redução dos custos inerentes à cobrança pela via litigiosa, ao mesmo tempo que oferece aos contribuintes a possibilidade de regularizarem sua situação fiscal. Trata-se de uma ferramenta essencial para solucionar um cenário em que o contencioso tributário corresponde a 75% do PIB nacional. Segundo pesquisa do Núcleo de Tributação do Insper, a soma de todas as discussões tributárias do país alcançou R$ 5,4 trilhões em 2019.[4]
A Portaria abrange tanto a transação individual, que pode ocorrer por proposta da Secretaria Especial da Receita Federal ou do sujeito passivo, quanto a transação por adesão. Nesta última modalidade, as condições são previamente estabelecidas em edital, ao qual o contribuinte pode optar por aderir.
A medida prevê condições especiais para pessoas físicas, MEI, microempresas (ME), empresas de pequeno porte (EPP), sociedades cooperativas, instituições de ensino e outras organizações da sociedade civil. Como exemplo, para esses grupos, a redução pode chegar a 70% do valor total dos créditos a serem transacionados, com prazo de quitação de até 145 meses (pouco mais de doze anos).
Para os demais casos, a regra geral implica uma redução de até 65% do valor total dos créditos, e o prazo para quitação é de até 120 meses (dez anos).
Trata-se de uma oportunidade, visto que, após a transação ser efetivada pelo sujeito passivo e aceita pela Receita Federal, a exigibilidade dos créditos tributários é suspensa.[5] Em alguns casos, é possível convencionar a suspensão dos prazos processuais no contencioso administrativo fiscal antes mesmo da verificação dos requisitos previstos no termo de transação.[6]
Importa destacar que essa nova Portaria RFB 555/2025 revoga a antiga Portaria RFB 247/2022; e traz mudanças significativas, como a redução do patamar de dívida que autoriza o contribuinte a apresentar uma proposta de transação individual. Nos termos da Portaria anterior, era possível propor ou receber proposta de transação individual apenas contribuintes com discussões de contencioso administrativo fiscal correspondentes a valores superiores a dez milhões de reais. Atualmente, de acordo como a nova Portaria em vigor, determinou-se como patamar valor superior a cinco milhões reais.
Para viabilizar acordos de transação por adesão referentes aos créditos tributários sob gestão da Receita Federal, nos termos da Portaria RFB n° 555/2025, foram lançados dois editais em julho (ambos publicados no Diário Oficial da União, em 07/07/2025, na Edição 125): o n° 4 e o n° 5, que serão analisados a seguir.
- a) EDITAL DE TRANSAÇÃO RFB N° 4, DE 2 DE JULHO DE 2025
Este edital tornou pública a proposta de transação por adesão para créditos tributários de pequeno valor, aqueles que o lançamento fiscal ou controvérsia não supere 60 salários mínimos em contencioso administrativo.[7] A oportunidade é destinada a pessoas físicas, MEI, empresários individuais, microempresas e empresas de pequeno porte.
As condições fundamentais para adesão incluem:
- A desistência das impugnações ou recursos administrativos e judiciais interpostos;
- A confissão dos débitos pelo devedor[8];
- O consentimento quanto à divulgação de informações não sigilosas sobre o termo de transação.
Destaca-se que o contribuinte deve incluir todos os débitos fiscais de um mesmo processo administrativo, não sendo possível realizar uma adesão parcial. Além disso, para que a adesão se concretize, a primeira prestação deve ser paga até o último dia útil do mês em que o contribuinte aderiu à transação.
Quanto às condições de pagamento, foram estabelecidos diferentes percentuais de redução sobre o valor total da dívida, conforme o número de parcelas:
- 12 prestações mensais e sucessivas, com redução de 50%;
- 24 prestações mensais e sucessivas, com redução de 40%;
- 36 prestações mensais e sucessivas, com redução de 35%;
- 55 prestações mensais e sucessivas, com redução de 30%.
Vale observar que a transação de que trata esse Edital, destinada ao contencioso de pequeno valor, fixa os percentuais de descontos com base no número de prestações. Assim, diferentemente do que (em regra) ocorre na transação, nesse caso, é irrelevante a classificação do sujeito passivo quanto à sua capacidade de pagamento (CAPAG).
O valor mínimo das prestações é de R$ 200,00 (duzentos reais) e todas são acrescidas de juros equivalentes à taxa Selic. O número de prestações deve ser ajustado conforme o valor do débito. A transação será rescindida caso não ocorra o pagamento de três prestações consecutivas ou seis alternadas. A decretação de falência, a extinção da pessoa jurídica ou o descumprimento de outras obrigações também são hipóteses de exclusão.
A adesão pode ser realizada até 31 de outubro de 2025 pelo Centro Virtual de Atendimento (e-CAC).
- b) EDITAL DE TRANSAÇÃO RFB N° 5, DE 2 DE JULHO DE 2025
O segundo edital publicado pela Receita Federal é direcionado a um conjunto mais amplo de contribuintes que possuem créditos tributários em discussão no contencioso administrativo fiscal. O limite do valor em discussão por contencioso foi fixado em R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).
Na transação por adesão a esse Edital 5, alguns benefícios dependem da classificação da dívida e do devedor.
Para créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, são previstos descontos, a possibilidade de aproveitar créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL, além do parcelamento do saldo. Quanto às condições de pagamento, construiu-se um cenário em que é possível a redução de até 100% do valor dos juros, das multas e dos encargos legais, mas ainda é imposta a observação do limite (em regra) de até 65% sobre o valor total de cada crédito tributário objeto da negociação.
Nesse contexto, o contribuinte pode optar entre duas modalidades de pagamento. A primeira consiste em uma entrada de 5% do valor consolidado, parcelada em até cinco vezes, e o saldo restante em até 115 prestações. A segunda opção exige uma entrada maior, de 10%, também em cinco parcelas, mas permite o uso de créditos de prejuízo fiscal para abater até 30% do saldo, com o restante sendo pago em até 115 meses.
Existem condições especiais mais vantajosas para pessoas físicas, micro e pequenas empresas, Santas Casas de Misericórdia, cooperativas, organizações da sociedade civil e instituições de ensino. Para este grupo, o limite de redução sobre o valor total do crédito sobe para 70%. As condições de pagamento incluem uma entrada de 5% dividida em até dez prestações mensais, a possibilidade de utilizar créditos de prejuízo fiscal para quitar até 30% do saldo e o parcelamento do valor remanescente em um prazo estendido de até 135 meses, oferecendo um alívio financeiro maior a esses devedores.
Já para os créditos tributários que possuem alta ou média perspectiva de recuperação, as condições de negociação são mais restritas; não há reduções nem a possibilidade de utilizar créditos de prejuízo fiscal. Nesses casos, o devedor deve pagar uma entrada de 10% do valor total da dívida, em até dez parcelas, e o saldo restante pode ser dividido em, no máximo, 74 prestações.
Vale destacar que se aplica a regra específica para as contribuições sociais (INSS), cujo prazo de quitação, independentemente da classificação do crédito, não pode exceder 60 meses, limitando o número de parcelas do saldo devedor a 50 prestações.
Os pagamentos devem ser realizados através do Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf), e há um valor mínimo para as prestações, que varia de R$ 200,00 para pessoas físicas a R$ 500,00 para as demais empresas, devendo o número de parcelas ser ajustado para respeitar esse piso. Todas as prestações, incluindo as da entrada, serão mensalmente corrigidas pela taxa de juros Selic, acrescida de 1% no mês do pagamento.
A adesão pode ser realizada até 31 de outubro de 2025 pelo Centro Virtual de Atendimento (e-CAC).
Maran, Gehlen & Advogados
Este artigo tem caráter meramente informativo e não constitui orientação jurídica
Escrito por:
- Sophia Guedes Cardoso (Acadêmica de Direito)
- Gabriela Loss (OAB/PR 57.065)
Referências:
https://normasinternet2.receita.fazenda.gov.br/#/consulta/externa/144970#2620485
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/edital-de-transacao-rfb-n-4-de-2-de-julho-de-2025-640454663
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/edital-de-transacao-rfb-n-5-de-2-de-julho-de-2025-640430747
https://www.jota.info/tributos/contencioso-tributario-brasil
[1] Art. 1º Parágrafo único. O contencioso administrativo fiscal a que se refere o caput é instaurado com a apresentação pelo sujeito passivo de impugnação, de manifestação de inconformidade ou de recurso com efeito suspensivo da exigibilidade do crédito tributário objeto da controvérsia, nos termos do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, que dispõe sobre o processo administrativo fiscal. (Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. Portaria RFB nº 555, de 1º de julho de 2025. Dispõe sobre transação de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal sob gestão da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 7 jul. 2025. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-rfb-n-555-de-1-de-julho-de-2025-640276262.)
[2] Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972
[3] Art. 1 º Esta Lei estabelece os requisitos e as condições para que a União, as suas autarquias e fundações, e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária.
[4] “A partir das inovações feitas na base de coleta dos dados, estimamos que o contencioso tributário brasileiro alcançou 5,44 trilhões de reais em 2019. Este valor torna-se ainda mais expressivo quando avaliado em termos do PIB, principal medida de desempenho econômico de um país, alcançando 75% do PIB, em 2019. Este percentual foi obtido a partir da composição das estimativas de contencioso tributário, judicial e administrativo, nos 3 níveis federativos.” (INSPER. Núcleo de Tributação. Contencioso tributário no Brasil: Relatório 2020 – Ano de referência 2019. Pág. 7. São Paulo: Insper, 2021). Disponível em: https://www.insper.edu.br/pt/noticias/2021/5/insper-conquista-primeiro-lugar-em-edital-do-cnj-sobre-o-contenc
[5] Art. 12. As modalidades de transação que envolvam o diferimento do pagamento de créditos tributários, inclusive mediante parcelamento ou concessão de moratória, suspendem a exigibilidade dos créditos tributários transacionados enquanto perdurar o acordo.
[6] Art. 10. Enquanto não efetivada pelo sujeito passivo e aceita pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, a adesão à transação ou a proposta de transação, efetuadas nos termos desta Portaria, não suspendem a exigibilidade dos créditos tributários nela incluídos.
Parágrafo único. Nas modalidades previstas no art. 4º, caput, incisos II e III, as partes poderão convencionar a suspensão dos prazos processuais no contencioso administrativo fiscal enquanto não cumpridos os requisitos para a celebração da transação e não assinado o respectivo termo de transação.
[7] 2. OBJETO DA TRANSAÇÃO DE PEQUENO VALOR
2.2 Para fins do disposto neste Edital, considera-se:
II – contencioso administrativo fiscal de pequeno valor aquele cujo lançamento fiscal ou controvérsia não supere 60 (sessenta) salários-mínimos, por processo administrativo.
[8] Art. 389. Há confissão, judicial ou extrajudicial, quando a parte admite a verdade de fato contrário ao seu interesse e favorável ao do adversário.
Art. 395. A confissão é, em regra, indivisível, não podendo a parte que a quiser invocar como prova aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável, porém cindir-se-á quando o confitente a ela aduzir fatos novos, capazes de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção.