A Emenda Constitucional nº 132/2023 (Reforma Tributária), visando alterar a incidência tributária sobre o consumo, substituiu os atuais Impostos sobre Serviços (ISS) e Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), e as Contribuições PIS e COFINS pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
O constituinte limitou o poder de tributação quanto à sujeição passiva dos produtores rurais aos novos tributos. A Emenda os incluiu em regime diferenciado de tributação, classificando como não contribuintes do IBS e da CBS os produtores rurais pessoas físicas e jurídicas[1] que obtiverem receita anual inferior a R$ 3.600.000,00 (atualizada pelo IPCA-E) e os produtores rurais integrados (atividade agrossilvipastoril, que recebe bens ou serviços para a produção/criação e depois destina ao integrador), conforme art. 9, § 4º, da EC.
Com o encerramento do processo legislativo inerente ao PLP nº 68/2024 e sua conversão em Lei Complementar nº 214/2025, a relação IBS/CBS e Produtores Rurais ganhou maiores contornos, nos termos dos artigos 164 a 168 da respectiva Lei. Pode-se mencionar como principais aspectos:
- Desvinculação do produtor integrado ao limite de receita bruta e equiparação das associações e cooperativas como não contribuintes (art. 164, caput e § 5º, da LC nº 214/2025);
A versão original do PLP nº 68/2024, entregue pelo Poder Executivo, estabelecia também a vinculação do produtor rural integrado ao limite de receita bruta anual de R$ 3.600.000,00.
Contudo, tal ponto foi objeto de interferência pelo Congresso Nacional, em razão de evidente inconstitucionalidade por confrontar a literalidade do texto do art. 9º, § 4º da EC 132/2023. Logo, o produtor integrado, independentemente de sua faixa de receita, não será considerado contribuinte do IBS e da CBS.
Ainda, o Poder Legislativo providenciou a equiparação das associações e cooperativas como pessoas jurídicas não contribuintes do IBS e da CBS, desde que sejam integradas exclusivamente por produtores rurais pessoas físicas e as receitas destes, e da própria pessoa jurídica, não ultrapassem o limite de receita bruta.
- Limite de receita bruta e a consequência de sua inobservância (art. 164, §§ 1º, 2º, 3º e 6º, da LC nº 214/2025);
Conforme mencionado anteriormente, o limite de receita bruta para fins de enquadramento como contribuinte do IBS e CBS aplica-se tão somente aos produtores rurais pessoas físicas e jurídicas, desde que não estejam vinculados a contrato de integração vertical.
Para fins de configuração da receita bruta anual e, consequentemente, a verificação da obediência ao limite de R$ 3.600.000,00 será considerada, inclusive, a receita relativa a pessoas jurídicas de atividade agropecuária que o produtor rural eventualmente tenha participação societária.
Assim, uma vez constatado que o produtor rural obtenha ao longo do ano-calendário receita bruta igual ou superior a R$ 3.600.000,00 (corrigido pelo IPCAE), passará automaticamente a ser contribuinte a partir do segundo mês subsequente à ocorrência do excesso ou, caso o excesso não seja superior a 20% do limite (R$ 720 mil), passará a ser contribuinte a partir do ano-calendário subsequente.
- Opção entre o regime diferenciado (não contribuinte) e o regime regular (arts. 165 e 166, da LC nº 214/2025);
Apesar de enquadrados no regime diferenciado como não contribuintes do IBS e da CBS, os produtores rurais – pessoas física, jurídica ou integrado – poderão optar, a qualquer tempo, por recolher os respectivos tributos pelo regime regular, inscrevendo-se como contribuintes.
A opção funcionará da seguinte forma:
– Surtirá efeitos a partir do primeiro dia do mês subsequente àquele em que realizada a solicitação;
– Será irretratável para todo o ano-calendário anterior e aplicar-se-á aos anos subsequentes, salvo em caso de renúncia à opção;
– É possível a renúncia à opção e o retorno ao regime diferenciado a partir do primeiro dia do ano-calendário seguinte ao requerimento (art. 166, da LC nº 214/2025[2]), desde que:
— A receita bruta anual não tenha alcançado o limite de R$ 3.600.00,00 previsto no art. 164, para o caso do produtor rural pessoa física e pessoa jurídica (parág. único do art. 166, da LC nº 214/2025); e;
— Quando optante pelo regime regular de recolhimento do IBS e da CBS o produtor não tenha recebido ressarcimento de saldo (créditos) desses tributos no ano-calendário corrente ou anterior (arts. 41, § 5º e 6º[3], 39[4] e 45[5], da LC nº 214/2025).
Ressalta-se que produtor que tenha auferido receita igual ou superior a R$ 3.600.000,00 no ano de 2024 será enquadrado diretamente no regime regular e será considerado contribuinte a partir de 1º de janeiro de 2026, independentemente de qualquer providência.
Portanto, a partir da entrada em vigor da LC nº 214/2024, regulamentando o IBS e o CBS, os produtores rurais pessoas físicas e jurídicas detêm pontos de atenção e devem proceder com planejamento estratégico contábil-tributário para definição de qual regime (diferenciado ou regular) potencializa uma carga tributária menor e maior competitividade no setor.
Maran, Gehlen & Advogados Associados
Este artigo tem caráter meramente informativo e não constitui orientação jurídica.
REFERÊNCIAS:
[1] Nos termos da IN RFB nº 2110/2022 (art. 146), considera-se:
(a) produtor rural pessoa física: (i) aquele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, exerce a atividade agropecuária (limitada a 4 módulos fiscais), pesqueira artesanal e silvicultura, bem como (ii) aquele exerce atividade agropecuária ou pesqueira com auxílio de empregados.
(b) produtor rural pessoa jurídica – (i) aquele que, empregador rural (seja empresário individual ou sociedade empresária) tem como fim apenas a atividade de produção rural, bem como (ii) agroindústria que desenvolve a atividade de produção rural, acrescida de industrialização desta – podendo vir a ser acrescida de produção adquirida de terceiros.
[2] Art. 166. O produtor rural ou o produtor rural integrado poderão renunciar à opção de que trata o art. 165 na forma do regulamento, observado o disposto no § 5º do art. 41 desta Lei Complementar.
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, o produtor rural ou o produtor rural integrado deixarão de ser contribuintes do IBS e da CBS a partir do primeiro dia do ano-calendário seguinte à renúncia da opção, observado o disposto no art. 164 desta Lei Complementar.
[3] Art. 41. O regime regular do IBS e da CBS compreende todas as regras de incidência e de apuração previstas nesta Lei Complementar, incluindo aquelas aplicáveis aos regimes diferenciados e aos regimes específicos.
§ 5º É vedado ao contribuinte do Simples Nacional ou ao contribuinte que venha a fazer a opção por esse regime retirar-se do regime regular do IBS e da CBS caso tenha recebido ressarcimento de créditos desses tributos no ano-calendário corrente ou anterior, nos termos do art. 39 desta Lei Complementar.
§ 6º Aplica-se o disposto no § 5º deste artigo, em relação às demais hipóteses em que a pessoa física, pessoa jurídica ou entidade sem personalidade jurídica exerça a opção facultativa pela condição de contribuinte sujeito ao regime regular, nos casos previstos nesta Lei Complementar.
[4] Art. 39. O contribuinte do IBS e da CBS que apurar saldo a recuperar na forma do art. 45 ao final do período de apuração poderá solicitar seu ressarcimento integral ou parcial.
[5] Art. 45. Para cada período de apuração, o contribuinte deverá apurar, separadamente, o saldo do IBS e da CBS, que corresponderá à diferença entre os valores:
I – dos débitos do IBS e da CBS decorrentes dos fatos geradores ocorridos no período de apuração;
II – dos créditos apropriados no mesmo período, incluindo os créditos presumidos, acrescido do saldo a recuperar de período ou períodos anteriores não utilizado para compensação ou ressarcimento.