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05/07/2024

REFORMAS INTRODUZIDAS PELA LEI Nº 14.905/2024 AO CÓDIGO CIVIL: IMPACTOS NA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA E APLICAÇÃO DE JUROS E EXCLUSÃO DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS DO ÂMBITO DA LEI DA USURA

Foi recentemente sancionada a Lei n° 14.905/2024, que altera o Código Civil para dispor sobre os critérios para a aplicação de atualização monetária e juros, além de afastar o disposto no Decreto-Lei n° 22.626/1933 (Lei da Usura) de determinados negócios jurídicos.

A nova legislação uniformiza o índice de correção monetária das dívidas civis, alterando a prática anterior em que, na ausência de ajuste entre as partes, o índice era estabelecido pelo juiz, geralmente com base no índice comumente eleito pelo respectivo tribunal estadual.

Com a nova regra, caso o índice de atualização monetária não seja convencionado entre as partes ou não esteja previsto em legislação específica, será aplicada a variação do IPCA, apurado e divulgado pelo IBGE (art. 389, Código Civil).

Até o advento da Lei, o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça era pela aplicabilidade da Taxa Selic como índice de correção monetária para dívidas civis sem índice previamente convencionado. A controvérsia sobre o tema, debatida durante o julgamento dos Recursos Especiais nº 1.081.149-SP e nº 1.795.982-SP, não foi definitivamente resolvida, em razão de um pedido de vistas do Ministro Mauro Campbell. Contudo, com a promulgação da nova regra, a questão fica superada.

Outra modificação substancial trazida pela alteração legal diz respeito aos juros moratórios. Anteriormente, quando não estipulada uma taxa, aplicava-se a taxa de um por cento ao mês, estabelecida mediante a conjugação do artigo 406 do Código Civil  com o §1° do art. 161 do Código Tributário Nacional. Com a nova lei, na falta de convenção expressa, os juros serão determinados pela taxa legal, que corresponderá à Taxa Selic.

Além disso, caso a Taxa Selic apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.

Para maior clareza, apresenta-se um quadro comparativo dos dispositivos alterados:

 

Redação Anterior

Redação trazida pela Lei n° 14.905/20024

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros, atualização monetária e honorários de advogado.

Parágrafo único. Na hipótese de o índice de atualização monetária não ter sido convencionado ou não estar previsto em lei específica, será aplicada a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo.

Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

Art. 406. Quando não forem convencionados, ou quando o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, os juros serão fixados de acordo com a taxa legal.

§ 1º A taxa legal corresponderá à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), deduzido o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do art. 389 deste Código.

§ 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil.

§ 3º Caso a taxa legal apresente resultado negativo, este será considerado igual a 0 (zero) para efeito de cálculo dos juros no período de referência.

 

A uniformização do índice de correção monetária é positiva, pois garante tratamento igualitário aos devedores em âmbito nacional, trazendo previsibilidade financeira em questões judiciais e maior segurança jurídica. Além disso, poderá evitar prolongadas disputas em situações onde as partes não tenham determinado um índice de correção específico, contribuindo com o Princípio da Razoável Duração do Processo.

Contudo, associar os juros moratórios legais à Taxa Selic, que pode ser redefinida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) a cada quarenta e cinco dias, poderá ser desafiador, dificultando o cálculo de dívidas inadimplidas por longos períodos e ameaçando a segurança jurídica tanto do devedor quanto do credor, dada a volatilidade da taxa em comparação com a anterior, que era fixa.

De toda forma, o art. 4º da Lei 14.905/2024 determina que o Banco Central disponibilize ao público uma calculadora online que perminta a simulação da aplicação da taxa de juros legais em situações financeiras cotidianas, o que poderá mitigar esses impactos negativos, caso a ferramenta seja eficaz.

Entretanto, a alteração mais preocupante diz respeito ao art. 3° da Lei 14.905/2024, que afasta a aplicabilidade da Lei da Usura, responsável por impor limitações aos juros contratuais, em algumas hipóteses específicas. Confira-se a redação do dispositivo:

Art. 3 Não se aplica o disposto no Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933, às obrigações:

 I – contratadas entre pessoas jurídicas;

 II – representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários;

 III – contraídas perante:

 a) instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil;

 b) fundos ou clubes de investimento;

 c) sociedades de arrendamento mercantil e empresas simples de crédito;

 d) organizações da sociedade civil de interesse público de que trata a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que se dedicam à concessão de crédito; ou

 IV – realizadas nos mercados financeiro, de capitais ou de valores mobiliários.

Embora a autonomia na fixação de juros possa ser considerada válida em relações equilibradas, como entre duas pessoas jurídicas de portes semelhantes (conhecimento técnico e financeiro), servindo como um meio eficaz para prevenir a inadimplência, o problema surge quando os juros não são regulamentados em contextos onde uma das partes é hipossuficiente, como nas dívidas contraídas perante instituições bancárias, caracterizadas como relações de consumo.

Sobre o tema, é imperativo destacar que o Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras (Súmula 297/STJ), justamente em razão da vulnerabilidade do consumidor em relação a estas.

Mesmo sob os rigores da Lei da Usura, não raro observava-se o crescimento exponencial de dívidas bancárias. Autorizar que a instituição bancária fixe os juros de forma discricionária contraria as disposições do Código de Defesa do Consumidor, especialmente os dispositivos destinados à prevenção do superendividamento.

Portanto, conclui-se que as modificações introduzidas pela Lei nº 14.905/2024 podem ter efeitos positivos ao incentivar a fixação de índices de correção monetária e taxas de juros específicas nos contratos, além de prevenir prolongadas disputas quanto à escolha dos índices a serem aplicados na falta de estipulação contratual. Por outro lado, a inaplicabilidade do disposto na Lei da Usura, especialmente em contratos bancários, deverá ser objeto de especial atenção pelos Tribunais, devido ao potencial aumento do desequilíbrio nas relações de consumo e outras relações em que a parte contratante seja considerada hipossuficiente e o risco de superendividamento dos consumidores frente às instituições financeiras.

 

Escrito por:

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Laura Cancela da Cruz
Advogada - OAB/PR 117.741 break Departamento Cível e Comercial break laura.cruz@marangehlen.adv.br break

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