O setor de serviços será bastante afetado pela reforma tributária promovida pela Emenda Constitucional 132/2023, agora já (parcialmente) complementada pela Lei Complementar nº 214/2025.
Uma das mudanças relevantes diz respeito aos serviços que, atualmente, são tributados pelo Imposto sobre Serviços pelo regime fixo anual (ISS-fixo).
Hoje, podem recolher o ISS pelo regime fixo, por exemplo: médicos, enfermeiros, médicos veterinários, contadores, advogados, engenheiros, arquitetos, dentistas, economistas e psicólogos.
Com a reforma, os prestadores de serviços ficarão sujeitos ao IVA-Dual (composto por IBS e CBS) e o regime fixo do ISS será extinto.
A Lei Complementar nº 214/2025 expressamente revoga o Decreto-Lei nº 406/1968 (em que, no artigo 9º, consta o amparo legal do ISS-fixo), sendo que a revogação produzirá efeitos a partir de 1º de janeiro de 2033 (artigos 543, I e 544, V da LC nº 214/2025).
Apesar do potencial aumento da carga tributária, a nova legislação prevê um regime diferenciado para alguns serviços.
A Emenda Constitucional da reforma estabeleceu que a prestação de determinados serviços de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, desde que submetidas à fiscalização por conselho profissional, serão beneficiadas com redução de 30% (trinta por cento) das alíquotas do IBS e da CBS (artigo 9º, § 12 da EC 132/2023).
Agora, a recém-publicada Lei Complementar nº 214/2025, no artigo 127, trouxe os detalhes sobre esse regime diferenciado, que será aplicável à prestação de serviços pelos seguintes profissionais (pessoas físicas e jurídicas):
- Administradores;
- Advogados;
- Arquitetos e urbanistas;
- Assistentes sociais;
- Bibliotecários;
- Biólogos;
- Contabilistas;
- Economistas;
- Economistas domésticos;
- Profissionais de educação física;
- Engenheiros e agrônomos;
- Estatísticos;
- Médicos veterinários e zootecnistas;
- Museólogos;
- Químicos;
- Profissionais de relações públicas;
- Técnicos industriais; e
- Técnicos agrícolas.
Para usufruir do regime diferenciado com redução de 30% alíquotas, devem ser observados os seguintes requisitos:
– Prestador pessoa física: é preciso que os serviços estejam, efetivamente, vinculados à habilitação profissional.
– Prestador pessoa jurídica:
– Os sócios devem possuir habilitações profissionais diretamente relacionadas com os objetivos da sociedade (além de estarem submetidos à fiscalização de conselho profissional);
– A sociedade não pode ter como sócio pessoa jurídica, nem pode ser sócia de outra pessoa jurídica;
– Não pode ser exercida atividade diversa das habilitações profissionais dos sócios; e
– Os serviços relacionados à atividade-fim precisam ser prestados diretamente pelos sócios (embora seja possível o concurso de auxiliares ou colaboradores).
Vale ressaltar que a tributação pelo ISS-fixo sempre foi alvo de ações judiciais em que se discutem regras e restrições impostas para a fruição do regime. São questões comuns e já levadas ao Superior Tribunal de Justiça [1], por exemplo: (i) se a constituição da sociedade como limitada (“Ltda.”) seria o bastante para impedir a apuração pelo regime fixo; (ii) se é necessário que a sociedade seja uniprofissional (ou seja, que tenha apenas sócios da mesma profissão); e (iii) se o fato de haver distribuição de lucros deve representar um óbice à apuração do ISS pela forma fixa.
Em contraponto, no âmbito da reforma tributária, a Lei Complementar nº 214/2025 já prevê expressamente que não impedem a aplicação das alíquotas reduzidas de IBS e CBS (artigo 127, § 2º):
– A natureza jurídica da sociedade;
– A união de diferentes profissionais listados acima, desde que a atuação de cada sócio seja na sua habilitação profissional; e
– A forma de distribuição de lucros.
Por fim, destaca-se que os serviços médicos, atualmente contemplados na possibilidade do ISS-fixo, não constam na lista do artigo 127 da Lei Complementar. Isso porque, em vez da referida redução de 30%, terão direito à redução de 60% das alíquotas de IBS e CBS, nos termos do artigo 128, inciso II, da LC 214/2025, que prevê: observadas as definições e demais disposições, ficam reduzidas em 60% as alíquotas do IBS e da CBS incidentes sobre operações com serviços de saúde.
Em suma, os prestadores de serviços que hoje têm o direito de apurar o ISS pelo regime fixo anual, com a implementação das novas regras tributárias, ficarão sujeitos ao IVA-Dual. A reforma tem o potencial de ocasionar um aumento da carga tributária para o setor, o que deverá ser mitigado com a aplicação do regime diferenciado com alíquotas reduzidas de IBS e CBS.
Maran, Gehlen & Advogados Associados
Este artigo tem caráter meramente informativo e não constitui orientação jurídica.
Referência:
[1] O Superior Tribunal de Justiça, em 2024, ao julgar o Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei, ressaltou que o fato de a sociedade ser constituída sob a forma limitada e de haver distribuição de lucros não afasta o direito à apuração do ISS pelo regime fixo. Da ementa, destaca-se: “TRIBUTÁRIO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL. JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL. DIVERGÊNCIA ENTRE TURMAS RECURSAIS DE DIFERENTES ESTADOS. ART. 18, § 3º, DA LEI N. 12.153/2009. ISSQN. SOCIEDADE UNIPROFISSIONAL DE MÉDICOS. SOCIEDADE SIMPLES, AINDA QUE CONSTITUÍDA SOB A FORMA LIMITADA. AUSÊNCIA DE NATUREZA EMPRESARIAL. DIREITO AO REGIME DO ARTIGO 9º, § 3º, DO DECRETO-LEI N. 406/1968. SERVIÇOS PRESTADO EM CARÁTER E RESPONSABILIDADE PESSOAL, AINDA QUE COM O CONCURSO DE AUXILIARES OU COLABORADORES. DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS QUE NÃO DESCARACTERIZA A NATUREZA SIMPLES DA SOCIEDADE. PEDIDO CONHECIDO E PROVIDO.” (PUIL n. 3.608/MG, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 28/2/2024, DJe de 11/3/2024).