Em 2016 a editora Eaglemoss do Brasil Publicações e Distribuição Ltda. lançou uma série de revistas, acompanhadas de miniaturas dos carros da F1, intitulada “Lendas Brasileiras do Automobilismo”.
Duas edições eram sobre o piloto Rubens Barrichello, sendo uma sobre o Honda utilizado na temporada de 2006 e outra da Brawn GP de 2009.
Como a editora utilizou-se da imagem do piloto nas revistas, porém sem sua autorização, ele ingressou com uma ação de indenização pelo uso indevido da sua imagem.
O pedido do piloto foi julgado procedente pela 1ª Vara Cível de São Paulo, que considerou que o objetivo da revista era vender as miniaturas dos veículos, sendo a publicação apenas um acessório. Assim, condenou a editora ao pagamento de danos morais em R$ 50 mil e mais dez por cento do preço da venda de cada produto, a título de danos materiais.
O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação, reduzindo os danos morais para R$ 30 mil.
Insatisfeita a editora recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) alegando que não houve ato ilícito, por existir conteúdo informativo e bibliográfico, não sendo necessário autorização para o uso da imagem da pessoa retratada, ainda mais sendo uma pessoa pública como o piloto Barrichello.
Em meados de fevereiro de 2022 o Superior Tribunal de Justiça analisou o recurso e determinou que não deveria ser modificada a decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que condenou a editora ao pagamento de indenização por danos materiais e morais ao piloto, pelo uso não autorizado da sua imagem[1].
Como o objetivo da publicação extrapolou a finalidade jornalística, ocorrendo o uso da imagem com o fim de comercializar os produtos e obter lucro, neste caso é necessária a autorização do retratado e como a editora não tinha a permissão do piloto, ficou caracterizado o uso indevido da imagem.
O Ministro Luis Felipe Salomão, relator no caso, destacou que “o Tribunal de origem, ao apreciar a questão referente à finalidade da propaganda de miniaturas de carros de fórmula 1, entendeu não tratar-se de mero brinde, mas de comercialização deste com objetivo de obter lucro, e como o recorrente não tinha autorização para tal, restou caracterizado o uso indevido da imagem do ora recorrido que visava estimular a venda dos produtos[2].”
Para entender melhor o caso cabe uma breve explicação sobre os direitos de personalidade, com foco no direito à imagem, para vislumbrar como ocorre sua proteção.
A personalidade é o conjunto dos elementos inerentes à pessoa, constituindo cada indivíduo diferente do outro, e uma das suas consequências é a atribuição de direitos da personalidade.
A proteção da essência da pessoa e suas principais características, são o objetivo dos direitos de personalidade, que visam resguardar o que é próprio do homem, como o direito à vida, o direito à integridade física e psíquica, direito à imagem, entre outros.[3]
Nos interessa abordar o direito à imagem, que é “o vínculo que une a pessoa à sua expressão externa, tomada no conjunto, ou em suas partes significativas (como a boca, os olhos, as pernas, enquanto individualizadoras da pessoa)[4]”.
Portanto, tem a função de impedir que terceiros, sem autorização do titular, registrem ou reproduzam a imagem, que é a representação física de uma pessoa, seja através de fotos, filmes, vídeos, pinturas ou outros meios de reprodução do rosto da pessoa, partes do corpo ou sinais físicos que possam servir à sua identificação e reconhecimento.[5]
Ou seja, em razão do direito à imagem a pessoa tem a prerrogativa de proibir ou permitir que terceiros tenham conhecimento da sua imagem, independentemente do motivo.
Em regra, apenas o titular pode autorizar a divulgação da sua imagem, de forma gratuita ou através de uma transação comercial, uma vez que somente a própria pessoa pode decidir a forma e os limites que aceita ver divulgada sua própria figura.
O direito à imagem tem duplo conteúdo, é composto por um elemento moral e outro material (patrimonial). O conteúdo moral se deve à proteção do interesse daquele que quer impedir a divulgação da sua imagem. E o conteúdo material possibilita a exploração econômica da própria imagem. Quando a pessoa permite a utilização da sua imagem, é o conteúdo material que está sendo disponibilizado para exploração econômica.[6]
Porém, o titular continua tendo protegido o seu direito à imagem, a possibilidade de exploração comercial da imagem não transforma esse bem em patrimonial, pois a titularidade nunca será transferida, por ser um direito de caráter pessoal.[7]
O retratado deve ter o exclusivo aproveitamento econômico da sua imagem em razão do princípio da proibição do enriquecimento injustificado, além da compensação pela valorização patrimonial do seu retrato, pois são necessários esforços para agregar valor patrimonial à imagem e assim os resultados devem ser usufruídos pelo titular e não por um terceiro.[8]
Todas as pessoas têm direito à imagem, não importando se são anônimos ou notórios (aqueles conhecidos de forma ampla como as celebridades ou pessoas com cargos públicos).
Existem algumas situações em que é possível a utilização da imagem, sem a permissão da pessoa retratada para a publicação e não haverá ilicitude, são casos em que prevalece o interesse geral, sobre o interesse particular do indivíduo.
Alguns exemplos de situações em que o interesse público permite que seja afastado o direito à imagem são: direito à informação, a notoriedade do titular da imagem, o interesse cultural, o interesse da Justiça, e da ordem pública, fotos que retratem uma coletividade de pessoas ou em locais públicos.
No caso das pessoas famosas, temos que considerar que elas têm uma imagem privada e outra pública, sendo a primeira relacionada à vida íntima, não sendo possível sua exposição sem autorização, por dizer respeito à sua vida particular. Já a imagem pública estaria relacionada à notoriedade da pessoa, em razão da sua fama pessoal ou do cargo público exercido, e nestas situações o direito à imagem da pessoa pública pode ser limitado.
No caso julgado pelo STJ a editora afirmava que a situação se enquadrava em uma das limitações do direito à imagem em razão do direito à informação, pois registrava e informava sobre acontecimentos da F1 e da carreira do piloto retratado. Mas os Desembargadores do TJSP deixaram claro que preponderava a intenção publicitária e a finalidade comercial, por essa razão seria necessária a autorização do titular da imagem.
Portanto, a condenação por danos materiais e danos morais ocorreu pela divulgação desautorizada da imagem, e conforme dispõe a Súmula 403 do STJ “independe de prova a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
A imagem da pessoa famosa, como o piloto Rubens Barrichello, compõe seu patrimônio econômico, por ter sido obtida no curso da sua carreira, assim se existe qualquer cunho publicitário, é necessária autorização para a veiculação.
Os danos morais pela utilização indevida da imagem, são caracterizados pelo constrangimento, aborrecimento, desconforto e sentimento de revolta pelo uso do retrato sem anuência.
Além disso, a Constituição ao estabelecer a proteção ao direito à imagem não exige a ocorrência de ofensa à reputação para a condenação em reparação do dano moral. Assim, a simples publicação da imagem, mesmo que enalteça o representado, pode ocasionar dano moral, principalmente se a parte que se utilizou da figura de outro teve benefício econômico direto.
Portanto, a indenização pelo uso indevido da imagem, não depende da demonstração de efeitos negativos pela veiculação, o dano decorre simplesmente pela publicação não autorizada.
Escrito por Gabriele Bortolan Toazza (OAB/PR 66.183)
[1] Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/15022022-Rejeitado-recurso-de-editora-condenada-pelo-uso-indevido-da-imagem-do-piloto-Rubens-Barrichello.aspx
[2] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, AREsp 1855642, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, publicado em 15/02/2022. Disponível em: http://www.stj.jus.br.
[3] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de Personalidade e Autonomia Privada. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 20-21.
[4] BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. p. 94.
[5] OLIVEIRA JÚNIOR, Artur Martinho de. Danos Morais e à Imagem. São Paulo: Lex, 2007. p. 43.
[6] AFFORNALLI, Maria Cecília Naréssi Munhoz. Direito à própria imagem. Curitiba: Juruá, 2003. p. 51.
[7] TRABUCO, Cláudia. Dos Contratos Relativos ao Direito à Imagem. Separata da Revista O Direito, ano 133, n. II, 2001. p. 410.
[8] FESTAS, David de Oliveira. Do conteúdo patrimonial do direito à imagem: contributo para um estudo do seu aproveitamento consentido e inter vivos. Coimbra: Coimbra, 2009. p. 134-135.