Em 18/03/2025, o Poder Executivo apresentou ao Legislativo o PL nº 1.087/2025, com o objetivo de alterar a tributação do Imposto de Renda (IR).
O Projeto pretende alterar a tributação do IR por meio, essencialmente, de dois blocos de mudanças: um, para reduzir o Imposto para contribuintes com menor renda (com isenção para rendimentos de até R$ 5 mil) e outro para majorar o Imposto para determinados contribuintes que auferem altas rendas (especialmente por meio da tributação de lucros e dividendos).
Cenário atual
A incidência do Imposto sobre a Renda para pessoas físicas ocorre, em regra, por meio da tabela progressiva. Atualmente, a faixa de isenção é de R$ 2.428,80 e, a partir de R$ 4.664,68, os rendimentos já ficam sujeitos à alíquota máxima, de 27,5% (MP nº 1.294/2025).
Há, porém, outros rendimentos que, independentemente do valor, não sofrem tributação. É o caso dos lucros e dividendos, que gozam de isenção (artigo 10 da Lei 9.249/1995)[1].
Projeto de Lei 1.087/2025 – Quais são as alterações pretendidas?
O Projeto apresenta dois blocos de mudanças.
O primeiro bloco de alterações diz respeito à ampliação da faixa de isenção (para rendimentos até R$ 5 mil) e, também, à redução do Imposto para os rendimentos entre R$ 5 e R$ 7 mil.
Tendo em vista os princípios da igualdade (CF, artigo 150, II), da capacidade contributiva (CF, artigo 145, § 1º; exigência de que a tributação seja modulada para se adaptar à riqueza dos contribuintes )[2], a proteção do mínimo existencial (relacionado à incapacidade contributiva de determinados indivíduos)[3], bem como o critério da progressividade (CF, artigo 153, § 2º, I), afigura-se evidente a necessidade de mudanças na cobrança do Imposto da população de baixa renda.
Como aspecto positivo do PL 1.087/2025, extrai-se o fato de esse assunto (necessidade de redução da carga tributária para a população de baixa renda) ser levado para o centro do debate público.
O segundo bloco de alterações, a pretexto de promover a compensação da renúncia de receitas (artigo 14 da LC nº 101/2000)[4], pretende passar a tributar lucros e dividendos e instituir uma tributação mínima sobre as “altas rendas” (assim denominadas no Projeto de Lei).
As alterações propostas visam afetar as Leis 9.249/1995 e 9.250/1955. Em suma, as medidas de compensação são:
- Tributação na fonte, à alíquota de 10%, de lucros e dividendos mensais em valor superior a R$ 50.000,00, para residentes no Brasil. O pagamento de lucros e dividendos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física residente no Brasil em montante superior a R$ 50.000,00 em um mesmo mês fica sujeito à retenção na fonte à alíquota de 10%.
- Tributação das altas rendas pelo Imposto sobre a Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM), cuja alíquota será determinada a partir de uma integração entre a carga tributária efetiva de IRPJ/CSLL da pessoa jurídica e a carga efetiva da pessoa física beneficiária de lucros e dividendos. Segundo o Projeto, o conceito de “altas rendas” refere-se à percepção de rendimentos em montante superior a R$ 600.000,00 por ano. A alíquota máxima do IRPFM será de 10%. Quanto maior for a alíquota efetiva de IRPJ/CSLL da pessoa jurídica, menor será a alíquota do IRPFM do beneficiário pessoa física. As pessoas mais afetadas tendem a ser as que percebem lucros e dividendos de empresas do Simples Nacional, do Lucro Presumido e das empresas que, embora do Lucro Real, fruam de muitos benefícios. Isso porque, segundo a metodologia do Projeto, essas são as pessoas jurídicas cuja carga efetiva (de IRPJ/CSLL) fica mais distante das alíquotas nominais (34% para empresas em geral, e 40% ou 45% para bancos e instituições financeiras).
- Tributação na fonte, à alíquota de 10%, de lucros e dividendos pagos para residentes ou domiciliados no exterior. Para os não residentes no Brasil, pessoas físicas ou jurídicas, os lucros ou dividendos, independentemente do valor, sofrerão a retenção na fonte à alíquota de 10%.
Pontos de atenção
O Projeto apresenta diversos aspectos que merecem atenção e suscitam a necessidade de se estimular o debate jurídico sobre o tema.
A seguir, destacamos alguns destes pontos que demandam um aprofundamento das análises por parte do Legislativo:
Elevação dos custos de conformidade.
Aferir as alíquotas efetivas do IRPJ e da CSLL da pessoa jurídica e do Imposto sobre a Renda da pessoa física será imprescindível para verificar se o beneficiário dos lucros e dividendos tem (ou não) direito ao redutor do IRPFM.
O Projeto traz critérios novos e complexos para a aferição das alíquotas efetivas. A dificuldade para tornar viável a aplicação do redutor evidencia que o custo de conformidade será aumentado.
Na contramão do que seria necessário para se alcançar um Sistema Tributário simples e transparente (princípios expressos no texto constitucional)[5], os meios apresentados nesse Projeto de Lei para implementar a tributação do Imposto Mínimo revelam que o Sistema ficará mais complexo e menos transparente.
Possível inviabilidade de aplicação do redutor no exercício seguinte ao ano-calendário.
A concessão do redutor do IRPFM fica condicionada à apresentação das demonstrações financeiras da empresa; mas há um descompasso entre os prazos para as obrigações acessórias. A pessoa física tem até maio para enviar a Declaração de Ajuste (IN RFB nº 2.255/2025, artigo 7º) e a pessoa jurídica tem até julho para transmitir a ECF (IN RFB nº 2.004/2021, artigos 2º e 3º). Isso pode tornar inviável a tempestiva aplicação do redutor.
Ausência de previsão de correção dos valores.
A tabelas relativas à isenção e os patamares relativos à tributação de altas rendas apresentam valores em reais, sem qualquer previsão acerca da correção dos valores. Ano a ano, será verificado o mesmo problema que hoje ocorre com a tabela progressiva: uma defasagem, por conta da inflação.
Além disso, também não há previsão de correção do possível crédito a que terá direito o não residente[6].
Potencial tributação da doação.
Conforme a metodologia apresentada pelo Projeto para se chegar à base de cálculo do Imposto Mínimo (IRPFM), deve haver a inclusão de todos os rendimentos e, dentre as deduções, constam os valores recebidos por doação em adiantamento da legítima ou herança[7].
Ao prever, expressamente, a dedução da doação em adiantamento da legítima ou herança e não prever as demais doações, o texto provoca a dúvida sobre se a União tem a pretensão de incluir na base de cálculo do IRPFM os valores recebidos em doação (que não sejam em adiantamento da legítima ou herança).
O Projeto, como está posto, suscita questionamentos sobre a potencial incidência Imposto de Renda sobre valores recebidos pela pessoa física a título de doação, o que configuraria uma inconstitucionalidade, entre outros motivos, porque a competência para instituir tributo sobre doação pertence aos estados e ao Distrito Federal, e não à União (CF, artigo 155, I).
Lucros apurados em exercícios anteriores.
Em 1995, quando a Lei concedeu a isenção do Imposto sobre a Renda em relação aos lucros e dividendos, houve delimitação expressa no sentido de que o benefício se aplicaria para os resultados apurados a partir da vigência da nova legislação[8]. Assim, a isenção não retroagiria para atingir lucros apurados em exercícios anteriores.
Agora, porém, não há nenhuma restrição quanto à potencial incidência do IR sobre resultados apurados em exercícios anteriores.
De acordo com o texto inscrito no Projeto original, independentemente do período em que o resultado (lucro) foi apurado, se a distribuição ocorrer a partir de 2026, haverá a cobrança do Imposto sobre a Renda.
Eventual exigência do Imposto em relação a lucros apurados antes da entrada em vigor da nova norma pode gerar litígios, especialmente com fundamento no princípio constitucional da irretroatividade tributária (CF, artigo 150, III, “a”).
Retenção na fonte retroativa.
Caso haja mais de uma distribuição de lucros e dividendos no mesmo mês, realizado por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física residente no Brasil, o valor retido na fonte referente ao IRPFM deve ser recalculado de modo a considerar o total dos valores do mês.
Na prática, a empresa precisará monitorar as distribuições de lucro do mês e, se e quando ultrapassar R$ 50 mil a um mesmo beneficiário, deverá realizar a retenção “recalculando” o valor retido a título de IRPFM. A retenção será “retroativa”.
As técnicas de simplificação representam um ônus para o contribuinte, que é tolerado em nome do princípio da praticabilidade; mas a norma fica comprometida se o critério da praticabilidade se mostrar falho e incapaz de levar ao resultado geral pretendido.[9]
A potencial necessidade de uma retenção “retroativa” levanta dúvidas sobre a razoabilidade da imposição desse custo de conformidade para as empresas em contrapartida à praticabilidade que vai favorecer o Fisco.
Tratamento desigual entre residente e não residente.
Para os que estão no País, a retenção na fonte ocorre nos casos em que os valores superam R$ 50.000,00 (mês). Para os não residentes, não há esse critério quantitativo.
Porém, o fato de o contribuinte residir no exterior, por si só, não revela ser ele detentor de maior capacidade econômica do que aquele que aqui reside (Tema nº 1.174/STF)[10].
O tratamento desigual entre residentes no Brasil e no exterior pode motivar litígios.
Impacto para Estados, Distrito Federal e Municípios
A medida trata de Imposto sobre a Renda e, a princípio, parece impactar apenas os cofres da União. Contudo, Estados, Distrito Federal e Municípios também serão afetados com as novas regras.
Pertence aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (CF, artigos 158, I, e 157, I) o produto da arrecadação do Imposto sobre a Renda retido na fonte sobre os rendimentos por eles pagos, a qualquer título (Tema nº 1.130/STF).
Com o PL 1.087/2025, os entes subnacionais deixam de ter parte dessa receita (já que não haverá mais retenção sobre valores inferiores a R$ 5 mil e será reduzida quando ficar entre R$ 5 e R$ 7 mil).
Aumento da arrecadação?
Conforme dados apresentados pelo Governo na Exposição de Motivos do Projeto (itens 24 a 28), tomado para o exemplo o ano de 2026: a renúncia de receita decorrente da isenção e redução do IR para a população de baixa renda foi estimada em R$ 25,84 (vinte e cinco bilhões e oitocentos e quarenta milhões de reais); ao passo que, com a medida “compensatória”, a estimativa é de que a arrecadação seja de R$ 34,12 (trinta e quatro bilhões e cento e vinte milhões de reais).
Assim, a despeito de as medidas relacionadas à tributação dos lucros e dividendos e da tributação mínima do Imposto sobre a Renda (IRPFM) terem sido apresentadas no Projeto como compensatórias, o exame dos valores envolvidos revela que a proposta tem, na realidade, o potencial de aumentar a arrecadação.
Considerações finais e próximos passos
O Projeto foi apresentado no dia 18/03/2025.
A previsão, conforme o texto, é de que as alterações passem a valer já para o ano de 2026 (ano-calendário 2026, para a Declaração de Ajuste do exercício de 2027).
Para tanto, seria necessária a aprovação do Projeto pelo Legislativo, a sanção pela Presidência da República e a subsequente publicação até, no máximo, 31/12/2025, em atenção ao princípio da anterioridade[11].
De início, o Governo havia solicitado que o Projeto tramitasse em regime de urgência[12], mas, depois, o próprio Governo cancelou esse pedido (Mensagem 520/2025).
Em 06/05/2025, foi designado o Dep. Arthur Lira como relator.
A expectativa é de que o Legislativo avalie com prudência o Projeto de Lei, com a submissão do texto às Comissões e com a realização de audiências públicas, para que, com amplo debate, o texto seja devidamente aperfeiçoado.
Por fim, vale anotar que o Projeto representa um avanço ao reconhecer a necessidade de rever e reduzir a tributação sobre a população de baixa renda.
No entanto, a instituição da tributação dos lucros e dividendos e das chamadas “altas rendas”, merece ser revista. Os mecanismos propostos a título de “compensação” exigem um exame cuidadoso por parte do Legislativo, especialmente para que sejam preservados princípios e normas constitucionais da tributação, tais como o da justiça, isonomia, simplicidade, transparência e segurança jurídica.
Maran, Gehlen & Advogados
Este artigo tem caráter meramente informativo e não constitui orientação jurídica.
[1] Lei nº 9.249/1995 – “Art. 10. Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior. § 1º No caso de quotas ou ações distribuídas em decorrência de aumento de capital por incorporação de lucros apurados, a partir do mês de janeiro de 1996, ou de reservas constituídas com esses lucros, o custo de aquisição será igual à parcela do lucro ou reserva capitalizado, que corresponder ao sócio ou acionista. § 2º A não incidência prevista no caput inclui os lucros ou dividendos pagos ou creditados a beneficiários de todas as espécies de ações previstas no art. 15 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, ainda que a ação seja classificada em conta de passivo ou que a remuneração seja classificada como despesa financeira na escrituração comercial. § 3º Não são dedutíveis na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL os lucros ou dividendos pagos ou creditados a beneficiários de qualquer espécie de ação prevista no art. 15 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, ainda que classificados como despesa financeira na escrituração comercial.”
[2] ATALIBA, Geraldo. Progressividade e Capacidade Contributiva; in Princípios Constitucionais Tributários – Aspectos práticos, aplicações concretas – Revista de Direito Tributário, 1991. P. 49.
[3] JOBIM, Eduardo. A justiça tributária na Constituição. São Paulo: Juspodivm, 2023.
[4] Lei Complementar nº 101/2000 – “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:
I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. (…)”.
[5] Constituição Federal – “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: (…) § 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023) (…).”
[6] Artigo 10-A que o PL 1.087/2025 pretende incluir na Lei 9.249/1995.
[7] O que passaria estar previsto, com a aprovação do Projeto, no inciso III, do § 1º, do artigo 16-A, da Lei nº 9.250/1995.
[8] No artigo 10 da Lei 9.249/1995, consta que a isenção se aplica aos “resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996”.
[9] ZILVETI, Fernando Aurelio. Simplicius simplicissismus: os limites da praticabilidade diante do princípio da capacidade contributiva. Revista Direito Tributário Atual, n. 22, p. 179-192, 2008.
[10] STF, ARE 1327491, Tema nº 1.174, julgado em 21-10-2024.
[11] Constituição Federal – “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…) III – cobrar tributos: (…) b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; (…)”.
[12] Constituição Federal – “Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados. § 1º – O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa. § 2º Se, no caso do parágrafo anterior, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem, cada qual, sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobre a proposição, será esta incluída na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime a votação. § 2º Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) § 3º A apreciação das emendas do Senado Federal pela Câmara dos Deputados far-se-á no prazo de dez dias, observado quanto ao mais o disposto no parágrafo anterior. § 4º Os prazos do § 2º não correm nos períodos de recesso do Congresso Nacional, nem se aplicam aos projetos de código.”