Em 27/12/2024, foi publicada a Lei nº 16.241/2024 (acesse aqui), que autoriza o Estado a realizar transação tributária, instituindo o chamado “Programa Acordo Gaúcho”. Portanto, haverá transação no Rio Grande do Sul.
Serão possíveis a transação por adesão e por proposta individual.
A Procuradoria-Geral do Estado e a Receita Estadual disciplinarão os procedimentos necessários para a aplicação efetiva da transação, estabelecendo, por exemplo, os parâmetros para a celebração de transação individual e os critérios para a aferição do grau de recuperabilidade da dívida, levando em conta a capacidade contributiva do devedor.
Há três grupos de transação:
- Transação na cobrança de créditos (de caráter mais geral, prevista na Seção II do Capítulo I da Lei);
- Transação no contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica (a chamada “transação de teses”, prevista na Seção III do Capítulo I da Lei); e a
- Transação no contencioso de pequeno valor (prevista na Seção III do Capítulo I da Lei)
As normas são bastante parecidas com as que regem a transação no âmbito da União, mas há peculiaridades.
Inadimplência sistemática e devedor contumaz
Há previsão específica para devedores em “inadimplência sistemática do pagamento do ICMS”: é proibida (em regra) a concessão de desconto para esse tipo de devedor[1]. Entretanto, a própria Lei já que prevê que isso não se aplica ao devedor em recuperação judicial, liquidação judicial ou extrajudicial ou em falência[2]. A definição acerca do que configurará uma “inadimplência sistemática do pagamento do ICMS” ficou a cargo da PGE e da Receita Estadual, e poderá abranger o “devedor contumaz” submetido ao Regime Especial de Fiscalização e o devedor que incorra em conduta atentatória à dignidade da justiça (conforme legislação processual)[3].
Não é exagero pontuar que é temerário o uso de conceitos abertos e indefinidos na legislação tributária, o que pode acarretar insegurança jurídica e ilegalidades.
Principais possíveis benefícios
Os benefícios para a regularização da dívida no bojo de transação no Programa Acordo Gaúcho nas modalidades contempladas na Seção II do Capítulo I (aquelas de caráter mais geral) poderão incluir:
- Prazos e formas de pagamento especiais, com o parcelamento em até 145 prestações;
- Descontos sobre multas, juros e acréscimos legais, o que, a rigor, será possível para os créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, e podem chegar a 70% do total dos créditos negociados;
- Para liquidar até 75% da dívida (principal, multa e juros), será possível a utilização de:
- Créditos de precatórios; e
- Créditos acumulados e de ressarcimento de ICMS (inclusive ST), próprios ou adquiridos de terceiros, desde que homologados.
Para as transações celebradas dentro dessa modalidade, a Lei estabelece que já são presumidamente irrecuperáveis ou de difícil recuperação (o que atrai a aplicação dos melhores benefícios) os créditos das empresas que se amoldam às seguintes situações:
- Recuperação judicial;
- Liquidação judicial;
- Liquidação extrajudicial;
- Falência;
- Atingidas pela catástrofe climática dos meses de abril e maio de 2024, desde que localizadas nos municípios com estado de calamidade pública ou situação de emergência declarados pelo Estado.
Créditos elegíveis: o que poderá ser negociado?
Quanto aos créditos passíveis de negociação, a Lei ora menciona que serão elegíveis apenas os créditos já inscritos em dívida ativa (especialmente por conta de duas disposições: caput do artigo 1º[4]; e inciso I do artigo 9º[5]) ora parece admitir que poderão ser negociados também os créditos que ainda não foram inscritos em dívida ativa (especialmente por conta de três disposições: parte final, do inciso II, do § 3º, do artigo 1º; e § 1º do artigo 2º, no trecho em que confere competência para a Receita Estadual publicar edital de transação por adesão[6]; caput do artigo 12, no trecho em que confere competência ao Subsecretário da Receita para firmar termo de transação de transação individual[7]; e artigo 14, quando prevê que a Receita Estadual poderá propor transação, tanto por adesão quanto individual[8]).
A expectativa é de que a norma de regulamentação da Lei confira maior clareza ao tema.
Próximas etapas
A Lei já está em vigor, mas ainda deve ser regulamentada.
A previsão é de que a regulamentação seja feita dentro de 90 dias[9] (contados da publicação da Lei, o que ocorreu em 27/12/2024).
Portanto, em princípio, a regulamentação deve ser publicada até o final de março.
Maran, Gehlen & Advogados Associados
Este artigo tem caráter meramente informativo e não constitui orientação jurídica.
REFERÊNCIAS:
[1] Lei nº 16.241/2024 – Art. 9º É vedada a transação que: (…) IV – conceda desconto nas multas, nos juros e nos demais acréscimos legais para o devedor em inadimplência sistemática do pagamento do ICMS, observado o disposto no inciso X do art. 13 desta Lei; (…)
[2] Lei nº 16.241/2024 – Art. 9º (…) § 3º Não se aplica o disposto no inciso IV deste artigo ao devedor em processo de recuperação judicial, liquidação judicial, liquidação extrajudicial ou falência.
[3] Art. 13. A Procuradoria-Geral do Estado e a Receita Estadual disciplinarão, no âmbito das respectivas competências: (…) X – a definição de inadimplência sistemática referida no inciso IV do art. 9º desta Lei, que poderá abranger o devedor contumaz submetido ao Regime Especial de Fiscalização, bem como o devedor que incorrer em conduta atentatória à dignidade da justiça, na forma da legislação processual; (…)
[4] Lei nº 16.241/2024 – Art. 1º Esta Lei estabelece os requisitos e as condições para que o Estado do Rio Grande do Sul, suas autarquias e outros entes estaduais, e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos vencidos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária, inscritos em dívida ativa, instituindo o Programa Acordo Gaúcho. (…)
[5] Lei nº 16.241/2024 – Art. 9º É vedada a transação que: I – envolva débitos não inscritos em dívida ativa; (…).
[6] Lei nº 16.241/2024 – Art. 1º (…) § 3º Aplica-se o Programa Acordo Gaúcho: (…) II – aos créditos que sejam o objeto de execuções fiscais ou de ações antiexacionais, principais ou incidentais, que questionem a obrigação a ser transacionada, parcial ou integralmente, ainda que não inscritos em dívida ativa.
[7] Lei nº 16.241/2024 – Art. 12. Compete ao Procurador-Geral do Estado ou ao Subsecretário da Receita, no âmbito das respectivas atribuições, observado o disposto no § 3º do art. 1º desta Lei, firmar o termo de transação decorrente de proposta individual a que se refere o inciso II do art. 2º desta Lei, sendo-lhes facultada a delegação.
[8] Lei nº 16.241/2024 – Art. 14. A transação poderá ser proposta pela Procuradoria-Geral do Estado ou pela Receita Estadual, de acordo com as respectivas competências, de forma individual ou por adesão, ou por iniciativa do devedor.
[9] Lei nº 16.241/2024 – Art. 31 . Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, devendo ser regulamentada no prazo de até 90 (noventa) dias.