O valor das pensões alimentícias no Brasil é fixado levando em consideração o binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante. Assim dispõe o artigo 1.064 do Código Civil:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
- 1º. Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
O valor dos alimentos e o dever de prestá-los é estabelecido, na maioria dos casos, pela sentença que decreta o Divórcio ou na própria ação de Alimentos, promovida em razão do vínculo familiar, e com fundamento na Lei 5.478/1968 (Lei de Alimentos) e artigo 693 do Código de Processo Civil vigente.
Aquele que não honra a obrigação alimentar fixada judicialmente está privando o alimentando da própria sobrevivência, sujeitando-se, inclusive, à pena de prisão civil.
Existem situações específicas, entretanto, em que o valor dos alimentos pode ser objeto de revisão judicial, seja para sua elevação ou redução, principalmente quando ocorrer comprovada alteração na situação pessoal ou financeira das partes.
A maioridade de um dependente alimentar e o seu ingresso no mercado de trabalho, o nascimento de outro filho, comprometendo mais a renda do alimentante, as núpcias do alimentando, ou, o mais comum, a modificação da condição financeira do alimentante, são situações motivadoras do ajuizamento de ações revisionais de alimentos.
O artigo 15 da Lei 5478/1968 (Lei de Alimentos) preconiza a expressa possibilidade de revisão do valor da pensão alimentícia fixada por sentença, pois esta não transita em julgado.
Art. 15. A decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado e pode a qualquer tempo ser revista, em face da modificação da situação financeira dos interessados.
O artigo 1.699 do Código Civil disciplina de modo similar:
Art. 1.699. Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.
Em todos os casos, entretanto, o pedido de revisão judicial do valor dos alimentos deve estar assentado em fato novo e relevante, ou seja, situação grave e inexistente no momento em que os alimentos foram fixados, e que interfere de forma incontestável sobre a situação das partes.
Neste contexto, é notório que a pandemia de COVID-19 disseminou seus efeitos nefastos sobre a saúde, vida e renda das famílias e, no que diz respeito às pensões alimentícias, não foi diferente.
Em virtude das recomendações de distanciamento social e reconhecimento de estados de emergência em saúde pelos governos municipais e estaduais, milhares de trabalhadores informais, autônomos, profissionais liberais, comerciantes, dentre outros, experimentaram, repentinamente, drástica e inesperada alteração em sua situação financeira, ficando impossibilitados de honrar o valor integral da pensão alimentícia a que estão obrigados.
Tratando-se de situação imponderável e inevitável, alheia à responsabilidade e vontade do alimentante, a revisão judicial temporária do valor da pensão alimentícia, para reduzi-la, com a concessão de tutela provisória de urgência, é medida possível.
Dispõe o artigo 393 do Código Civil:
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Importante destacar que a tão só existência da pandemia não é motivo suficiente para o ajuizamento de ação revisional de pensão alimentícia, pois, a despeito do estado pandêmico, a obrigação alimentar permanece incólume, eis que assegura o direito de sobrevivência do alimentando.
Por igual, não é recomendável a interrupção, suspensão ou realização de pagamentos a menor, do valor dos alimentos, sem a prévia concordância do alimentando ou de seu representante legal, ou, ainda, sem a chancela do Poder Judiciário.
Logo, mais do que apontar a impossibilidade de pagamento do valor integral dos alimentos, para propositura de ação revisional é necessário que o alimentante faça prova cabal do impacto financeiro da COVID-19 em sua realidade, anexando, por exemplo, extratos bancários atualizados ou comprovante de renda, os quais demonstrem a redução drástica na condição financeira em período posterior ao reconhecimento da pandemia.
Alimentantes que tenham recursos em poupança ou aplicações financeiras, igualmente, não poderão invocar impossibilidade financeira por conta dos reflexos da pandemia de COVID-19, pois se existem recursos em reserva financeira, podem ser migrados para o pagamento da pensão alimentícia.
A revisão judicial do valor também não aproveitará àqueles que já se encontravam inadimplentes em relação às obrigações alimentares vencidas antes mesmo do reconhecimento da pandemia, pela Organização Mundial de Saúde, mas poderá, entretanto, lhes facultar o cumprimento de eventual pena de prisão civil em regime domiciliar.
Com efeito, a Recomendação 62 do Conselho Nacional de Justiça assim preconizou em 17/03/2020, e o Superior Tribunal de Justiça determinou, desde o dia 25/03/2020, que todos os presos por dívida alimentar, ou com execução alimentícia em trâmite e que venham a ter a prisão civil decretada, a cumpram em prisão domiciliar, com vistas à redução dos riscos epidemiológicos da disseminação da COVID-19.
De qualquer modo, neste momento de tantas incertezas e dificuldades, recomenda-se que o diálogo e as concessões recíprocas se sobreponham ao litígio, para evitar que medidas drásticas alcancem negativamente a todos os envolvidos, pois, inequivocamente, o direito ao recebimento dos alimentos sempre deve ser priorizado, para assegurar a sobrevivência do alimentando.
O ajuste de um termo extrajudicial de redução temporária e consensual do valor dos alimentos, por exemplo, a ser elaborado por advogado da confiança das partes, e que tenha vigência durante o período em que os efeitos da pandemia se projetem, é medida recomendável e eficiente, pois evita a ausência completa dos pagamentos e possível pena de prisão civil do alimentante, afasta o desgaste relativo a uma nova demanda judicial, que igualmente possui custos financeiros, e assegura ao alimentando condições de sobrevivência em meio a pandemia, o que é o mais importante.
Dispõe o artigo 694 do Código de Processo Civil:
Art. 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.
Caso não exista consenso, entretanto, o Poder Judiciário deverá ser provocado por meio de ação judicial, e analisará cada caso em particular, determinando a redução provisória do valor da pensão alimentícia e por quanto tempo tal medida perdurará, desde que assim entenda cabível e desde que o alimentante faça prova cabal da modificação negativa de sua capacidade de pagamento.
O direito do alimentando ao recebimento dos alimentos, para preservação de sua saúde, sobrevivência e dignidade, contudo, sempre deverá ser priorizado.
O Departamento Cível e Comercial da Maran, Gehlen & Advogados Associados, ciente das inúmeras dúvidas e dificuldades decorrentes deste período, coloca-se a disposição para os esclarecimentos e orientações que se façam necessários.