“Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”.
É o que estabelece o art. 16 do Código Civil, ao reconhecer o nome como um direito de personalidade que, via de consequência, é garantido pelo próprio princípio da dignidade da pessoa humana, e se consagra através do registro de nascimento, na forma dos arts. 50 e 54, §4º, da Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73).
Em que pese o nome seja definitivo (precisamente em razão necessidade de garantir maior segurança jurídica às relações civis), a própria legislação admite sua modificação ou substituição em hipóteses pontuais, quando o titular deste direito:
- Atinja a maioridade – o pedido de modificação poderá ser deduzido no prazo de 1 (um) ano, e desde que isto não prejudique os apelidos de família (art. 56);
- Possua apelidos públicos notórios (como no caso de artistas e celebridades, conforme art. 58 da LRP);
- For vítima de fundada coação ou ameaça em razão da colaboração para a apuração de crimes (art. 58, parágrafo único da LRP);
- For adotado, caso em que a sentença de adoção lhe conferirá o nome do adotante “e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome” (art. 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente);
- Casar-se, divorciar-se ou constituir união estável (arts. 1.565, §1º e 1.578 do Código Civil e art. 57, §1º, da LRP) – hipótese em que apenas o sobrenome será alterado.
Em todos os casos, a alteração do nome deve ser realizada pela via judicial (já que constitui verdadeira exceção, em razão de sua definitividade), mediante pedido devidamente motivado, assegurando-se a prévia oitiva do Ministério Público na condição de custos legis.
Afora as hipóteses legais, a jurisprudência dos tribunais superiores vem se inclinando no mesmo sentido.
A título exemplificativo, por ocasião do julgamento da ADI 4.275/DF, o Supremo Tribunal Federal reconheceu aos trangêneros o “direito fundamental subjetivo à alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil pela via administrativa ou judicial, independentemente de procedimento cirúrgico e laudos de terceiros, por se tratar de tema relativo ao direito fundamental ao livre desenvolvimento da personalidade”. Nesta circunstância, como se vê, a alteração do prenome e do sexo no registro civil pode ocorrer diretamente na esfera administrativa, sem necessidade de intervenção judicial.
Nesta mesma toada, o Superior Tribunal de Justiça já sedimentou ser “admissível o restabelecimento do nome de solteiro na hipótese de dissolução do vínculo conjugal pelo falecimento do cônjuge”[1] bem como vem autorizando, há anos, que o “nome pode ser alterado mesmo depois de esgotado o prazo de um ano, contado da maioridade, desde que presente razão suficiente para excepcionar a regra temporal prevista no art. 56 da Lei n. 6.015/1973”[2].
Pois bem.
Em decisão recente, a Quarta turma do Superior Tribunal de Justiça reformou o entendimento externado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e autorizou a alteração no registro de mulher que não se identifica com o prenome “Ana” .
No caso posto à julgamento, a autora formulou o pedido sustentando ser conhecida em seu meio social e familiar tão somente como Luíza (e não Ana Luíza, como originariamente consta em sua certidão de nascimento), e afirmando não se identificar “com o prenome Ana, o qual lhe causa aversão e antipatia, pois foi registrado pelo pai, com quem não tem vínculo”.
O relator do recurso, Ministro Antonio Carlos Ferreira, destacou que o constrangimento a autorizar a modificação do nome “pode ter causas diversas da meramente estética, e sua avaliação, indubitavelmente subjetiva, deve ser realizada sob a perspectiva do próprio titular do nome”.
Para o Ministro, a decisão manterá a essência do registro civil da autora e não prejudicará sua identificação. Em seu voto destacou que
O Poder Judiciário, em sintonia com a evolução da sociedade e as mudanças de paradigmas, tem demonstrado a preocupação crescente com o bem-estar do cidadão em relação à sua identidade social. Assume relevância, nas decisões que dizem respeito aos direitos da personalidade, a autonomia da vontade, de como a pessoa gostaria de ser identificada no meio em que vive, seja em razão do sexo, do gênero, da aparência ou de seus dados pessoais – entre eles, o nome.
A notícia deste julgamento recente foi publicada no informativo de jurisprudência do STJ e pode ser acessada clicando aqui.
[1] (REsp 1724718/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 29/05/2018)
[2] (REsp 213.682/GO, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/09/2002, DJ 02/12/2002, p. 305)