A atual pandemia provocada pelo coronavírus (Covid-19) trouxe incertezas e insegurança em todas as relações jurídicas, e cujas consequências econômicas são imprevisíveis.
Nosso país vivencia estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 2020, cujos efeitos se protraem até 31 de dezembro de 2020, sujeito às medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública definidas pela Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Nesse viés, alguns Estados e cidades decretaram estado de emergência, determinando fechamento do comércio em geral e, em alguns casos, também de empresas, liberando apenas os serviços considerados essenciais e imprescindíveis, recomendando isolamento social pela quarentena, em estrita observância às recomendações do Ministério da Saúde, mormente a Portaria nº 188, de 3 de fevereiro de 2020, e Portaria nº 356, de 11 de março de 2020.
Especificamente no âmbito da educação, tema central aqui em breve análise, ainda que as escolas, colégios e instituições de educação superior estejam, em alguns casos, abrangidas pela suspensão das atividades determinadas pelos decretos estaduais ou municipais e, portanto, impossibilitadas da continuidade das atividades presenciais com os alunos, pouco ou quase nada poderia por elas ser concretizado para manter o ensino e buscar minimizar o déficit decorrente da forçada paralização.
Anote-se que a legislação não permite aulas a distância para a educação infantil, autorizando em certo grau para o ensino fundamental.[i] Para os níveis técnico e superior, a situação demandou apressado ajuste pelo Ministério da Educação (MEC).[ii]
Por sua vez, o Governo Federal tratou de editar a Medida Provisória nº 934, de 1º de abril de 2020, a qual dispensou, em caráter excepcional, os estabelecimentos de ensino de educação básica (educação infantil e ensino fundamental) da obrigatoriedade de observância ao mínimo de dias de efetivo trabalho escolar.
Inegável que se tornou inviável a manutenção das operações em funcionamento normal em razão do isolamento social imposto diante do potencial de contágio do novo coronavírus e acentuada propagação da doença.
Com isso surgiram questionamentos a respeito da obrigatoriedade pela manutenção do pagamento integral das mensalidades escolares ante a suspensão das aulas e ausência de atividades presenciais pelos alunos, bem como, de outras atividades pedagógicas desenvolvidas para eles no âmbito da instituição de educação.
Sem perder o conceito que a relação jurídica que une a instituição de educação ao aluno (ou responsável) é de consumo, pode-se destacar que o fechamento forçado e suspensão das atividades decorrente do Covid-19 trata-se, evidentemente, de situação de caráter extraordinário e imprevisível, que claramente se enquadra no conceito de força maior ou de caso fortuito,[iii] por ultrapassar a esfera do risco da própria atividade econômica, ressalvada a hipótese de previsão contratual expressa e específica a esse respeito, o que parece improvável.
A Constituição Federal erigiu a defesa do consumidor ao status de direito fundamental, conforme artigo 5º, XXXII. Neste contexto, o Código de Defesa do Consumidor é o conjunto de normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social (Lei nº 8.078/1990, artigo 1º), com claro objetivo de atendimento das necessidades dos consumidores e proteção de seus interesses econômicos (artigo 4º).
Importa anotar que o arcabouço de proteção consumerista garante a ele, parte reconhecidamente vulnerável, a revisão contratual como direito basilar quando o contrato, para ele, se tornar excessivamente oneroso em decorrência de fato superveniente e que não deu causa (CDC, art. 6º, V).
A suspensão das atividades presenciais nas instituições de educação é inegavelmente fato superveniente, não previsto no contrato originário, em regra. Ademais, o elo entre prestadores de serviço e consumidores, no âmbito da educação, cinge-se a preservação do ano letivo e, este, como visto, já se encontra mitigado por força da MP nº 934/2020, o que torna essencial a busca pela redução da forma mais eficaz possível dos efeitos, talvez perdas, que o isolamento social trará para a educação em razão do cumprimento do calendário escolar.
Sem estar alheio ao fato que as mensalidades escolares são, em sua grande maioria, anuidades diluídas ao pagamento parcelado mensal, é fato que o contrato que lhes dá azo não está isolado no meio jurídico e blindado em meio às incertezas econômicas provocadas pela pandemia do Covid-19.
Se, no ramo das relações jurídicas patrimoniais regidas pelo Código Civil, a teoria da imprevisão (CC, artigo 478) encontra aplicação nos contratos eivados por fato imprevisível; ausência de estado moratório; dano em potencial (desequilíbrio contratual); e excessiva onerosidade de uma das partes e de extrema vantagem de outra; maior aplicação terá na defesa do consumidor, relação pautada pelo desequilíbrio de partes ante a hipossuficiência deste.
A primeiro toque, a revisão contratual parece extremamente indicada nesse período que perdurar o estado de calamidade pública e a suspensão das atividades, encontrando ainda mais força porque as atividades escolares ocorrem de forma remota. Implicada dizer que o prestador de serviços, fornecedor, deverá considerar a planilha de cálculo apresentada no início do ano como base da formação do preço (ou anuidade), com as despesas diárias previstas, e agora compará-las com os custos acrescidos e reduzidos no período de atividades não presenciais, de modo a detalhadamente informar aos consumidores, com as necessárias comprovações, ao fim de instigar renegociação contratual.
Obviamente que deve haver parcimônia e o remédio, ainda que amargo, deverá objetivar a proteção econômica do consumidor, contudo, evitando o colapso no caixa das instituições de educação.
O consumidor não poderá ser penalizado por uma situação que não provocou, principalmente para os contratos envolvendo a educação infantil, que neste caso deverão sofrer suspensão até o término do período de isolamento social, porquanto os serviços prestados pelas instituições de educação foram completamente paralisados, sem possibilidade de oferta de aulas a distância, como definido pela própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação que veda a prestação de serviços na forma não presencial, até porque, até o momento não há sinalização para a reposição integral de aulas presenciais.
Enfim, no momento de extrema turbulência econômica e sanitária que enfrentamos, aparentemente o melhor cenário, ou menos prejudicial a todos, é a união das partes na concepção de proposta de revisão contratual, cada qual cedendo em partes seus direitos para a mitigação do prejuízo de todos.
[i] Artigos 30 e 32, § 4º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (diretrizes e bases da educação nacional).
[ii] No âmbito das instituições de educação superior (IES), cita-se a Portaria MEC nº 343, de 17 de março de 2020, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação, alterada pela Portaria MEC nº 345, de 19 de março de 2020.
Para os cursos de educação profissional técnica de nível médio, a Portaria MEC nº 376, de 3 de abril de 2020, autoriza que instituições suspendam as aulas presenciais dos cursos de educação profissional técnica de ensino médio em andamento, ou optem por atividades não presenciais substitutivas, por até 60 dias.
[iii] Código Civil, artigo 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.