O Superior Tribunal de Justiça poderá afetar ao rito dos recursos repetitivos a discussão sobre a “Possibilidade ou não de se estender o creditamento de IPI previsto no art. 11, da Lei n. 9.779/99, também para os produtos finais não tributados (NT), imunes, previstos no art. 153, § 3º, da CF/88”.
Sobre a matéria, vale uma breve análise:
O artigo 11 da Lei nº 9.779/1999 dispõe que o saldo credor acumulado de IPI decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem (MP/PI/ME), aplicados na industrialização, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser aproveitado de acordo com os meios previstos nos artigos 73 e 74 da Lei nº 9.430/1996.
Literalmente, a previsão da Lei é a seguinte:
Lei nº 9.779/1999
Art. 11. O saldo credor do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, acumulado em cada trimestre-calendário, decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero, que o contribuinte não puder compensar com o IPI devido na saída de outros produtos, poderá ser utilizado de conformidade com o disposto nos arts. 73 e 74 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, observadas normas expedidas pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.
O benefício deveria servir ao contribuinte como um mecanismo para dar vazão ao saldo credor que se acumula quando as aquisições geram crédito de IPI, mas não há Imposto a ser debitado nas saídas.
Para os contribuintes, o direito teria plena aplicação também quando a não compensação com o IPI na saída decorra do fato de os seus produtos estarem sujeitos à não tributação (NT).
Contudo, na prática, os contribuintes encontram-se impedidos de aproveitar o crédito quando os produtos industrializados têm saída não tributada (NT).
Isso porque, para o Fisco, o referido direito não se aplica aos produtos com a notação “NT”. Esse é o posicionamento da Receita Federal do Brasil (Ato Declaratório Interpretativo SRF nº 5/2006) e também do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF – Súmula Vinculante nº 20).
A disputa foi levada ao Poder Judiciário.
No Superior Tribunal de Justiça, o complexo tema foi alvo de divergência entre Ministros.
Até que, em dezembro de 2021, em sede de Embargos de Divergência em Recurso Especial (EREsp nº 1.213.143/RS), a Primeira Seção do STJ (por maioria) decidiu que, na vigência da Lei nº 9.779/1999, encontra “abrigo legal o aproveitamento do saldo de IPI decorrente das aquisições de matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem tributados, nas saídas de produtos não tributados”.
A decisão, favorável aos contribuintes, consignou que é “Inaceitável restringir, por ato infralegal, o benefício fiscal conferido ao setor produtivo, mormente quando as três situações – isento, sujeito à alíquota zero e não tributado –, são equivalentes quanto ao resultado prático delineado pela Lei do benefício”.
A discussão, em princípio, havia sido solucionada.
Ocorre que, em dezembro de 2023, foi criada no STJ a Controvérsia nº 577.
Isso significa, como mencionado no início desse Informativo, que o STJ poderá afetar Recursos Especiais (em princípio, o REsp nº 1976618/RJ e o REsp nº 1995220/RJ) para serem julgados sob o rito dos recursos repetitivos.
Em Despacho que sugere a submissão dos recursos para análise de afetação, a Ministra Assusete Magalhães destaca que “A temática apresenta-se relevante e com expressivo impacto financeiro, haja vista que a definição da abrangência do art. 11 da Lei 9.779/1999 possui o condão de afetar significativamente a arrecadação tributária da União e o planejamento financeiro de empresas.”
Vale lembrar que quando o julgamento ocorre pela sistemática dos repetitivos, a tese firmada no recurso paradigma deve ser aplicada a todos os demais casos que versem sobre o mesmo tema (artigo 1.039 do CPC). É o chamado efeito vinculante.
A Controvérsia nº 577 encontra-se “pendente”. Ela foi criada em 18/12/2023 e o relator dos recursos especiais tem o prazo de 60 (sessenta) dias úteis para rejeitar ou propor a afetação (artigo 256-E do Regimento Interno do STJ), sob pena de rejeição tácita.
A PGR e a Fazenda Nacional foram favoráveis à afetação.
Por outro lado, os contribuintes (que figuram como recorrentes nos dois recursos) manifestaram-se de modo contrário à afetação.
Frisa-se: acaso o STJ afete os recursos, a decisão neles proferida terá natureza vinculativa, devendo ser aplicada às demais demandas sobre o mesmo tema.
Diante desse cenário, surge a questão: poderá o STJ mudar seu entendimento sobre o tema?
Em respeito ao princípio da segurança jurídica, espera-se que, acaso ocorra a afetação, o STJ não mude seu posicionamento, e reitere o que foi decidido no EREsp nº 1.213.143/RS, julgado no final de 2021.
Isto é, espera-se que o STJ ratifique o julgamento no sentido de assegurar aos contribuintes o direito à manutenção e utilização do saldo credor de IPI.
Vale lembrar, por fim, que há risco de o STJ determinar a modulação temporal dos efeitos de sua decisão (§ 3º do artigo 927 do CPC), restringindo sua aplicação (por exemplo) aos casos ajuizados antes do julgamento no repetitivo.
Maran, Gehlen & Advogados Associados.
Este artigo tem caráter meramente informativo e não constitui orientação jurídica.