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04/06/2020

EXTRAJUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO OU O CULTO AO LITÍGIO? A SOLUÇÃO.

Ao menos na última década de uma forma mais intensa, os profissionais do direito, e toda a sociedade, têm observado o intuito do Poder Público, em criar ferramentas com objetivo de extrajudicializar situações, quais até então, exigiam pronunciamento do Poder Judiciário.

Exemplos não nos faltam, bastando consignar a possibilidade de se constituir ou extinguir relações afetivas (casamentos, divórcios, uniões estáveis, contratos de namoro, etc., desde que preenchidas as condições normativas), inclusive aos desdobramentos patrimoniais; e realizar inventários e partilhas – bastando que os interessados e envolvidos compareçam a um tabelião, manifestando de suas vontades, para através desta publicidade e registro, solverem as questões inerentes.

Ainda assim, e sem olvidar que a proposta da extrajudicialização se aplica quando inexistente conflito de interesses (ou seja, o mútuo consenso, e respeito às premissas abstrato-normativas, impera), desconsiderando as razões quais ordenam tais atos, o culto ao litígio continua em vigor, seja ou não aos assuntos acima informados. E aparentemente, ao invés de desburocratizar o provimento jurisdicional, aos fins de acompanhar a evolução normativo-social, e porque não a própria intenção de simplificação de procedimentos a orientar economia e celeridade à solução de litígios, subsiste um atravancado e confuso sistema.

Atualmente, há exigência de que o autor na inicial, e o réu na contestação, digam sobre se há interesse na composição, especificamente para que o Juízo analise se há ou não necessidade para realização de audiência com fim específico a buscar o consenso e acordo entre as partes, especialmente, para observância da previsão do art. 334, § 4º, inciso I, do Código de Processo Civil – o que ao nosso entendimento, exprime um contrassenso, já que se quaisquer das partes afirma que não quer transigir, aparenta razão mais do que suficiente à não realização do ato.

Contudo, o que se tem observado em alguns Juízos, é que interposta a demanda, ainda que o polo ativo consigne seu desinteresse, e antes mesmo de qualquer manifestação do polo passivo, o processo sofre designação de audiência de conciliação, geralmente realizada pelo Cejusc – Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania, unidade especializada nesta “extrajudicialização”, e o prazo para contestar o pedido sobrevém após o ato; em outra banda, o autor nega o intuito conciliatório, e o réu ao defender-se, afirma que é possível um acordo (via de regra sem formalizar qualquer proposta), e ainda assim, se vê a “necessidade da realização de audiência de mediação”. Ilógico.

Pois bem. A falta de padronização, e a confusão criada por cada qual dos Juízos estipular uma “regra” a seguir, é preocupante. Parece óbvio que ao pretender a parte “judicializar” o conflito, exprime claramente que o adverso tenha resistido a algo acordar; e por demais, se qualquer das partes deduzir que não detém intuito conciliatório, demais óbvio é que a audiência prévia será fatalmente infrutífera.

Na contramão da evolução, então, subsiste precariedade a norma geral. Parece muito mais útil que o processo seguisse seu rito, com a interposição da demanda, abertura do prazo de contestação, e após todas as provas serem produzidas (como perícias, vistorias, constatações, análises e juntada de documentos, etc.), fosse, aí sim, designada uma audiência para “conversa” com as partes, momento último portanto, ao que sem possibilidade de acordo, fossem colhidos os depoimentos das partes, informantes e testemunhas, sendo o caso, e nada restando, adviesse a necessária decisão judicial. Esta concentração de atos seria benéfica quando invocado o “culto ao litígio”, até para aplicação na seara dos Juizados Especiais, que detém rito específico previsto na Lei nº 9.099/1995, e até hodiernamente, mantém obrigatória a realização de duas audiências: uma conciliatória, e outra de instrução – o que evidentemente atravanca a pauta, e compõe desnecessária burocracia.

Caso contrário, se efetivamente a intenção do Poder Público seja evitar processamento de demandas pelo Poder Judiciário, ou “extrajudicionalizar” parcialmente a questão, precípuo seria a criação normativa, clara e específica, de uma fase “pré-processual”, que poderia compor-se simplificadamente, à interposição da petição inicial e documentos, e que a parte ré, sendo citada e detendo interesse, formulasse obrigatória e objetivamente uma proposta escrita de acordo, juntamente à peça de defesa, como preliminar, qual se aceita pelo autor, liquidaria o embate previamente a qualquer outro ato. Tal pode ser aplicado tanto em fase cognitiva, como em processos de execução, de ritos especiais de jurisdição, simplificados, ou o que mais se o permita enquadrar.

Louvável a intenção dos legisladores em predispor, e de forma ampla no Livro Formalista, em várias passagens, registrar que a todo custo a “autocomposição”, ou a busca pela solução do conflito por intermédio de acordo entre as partes, seja promovida pelos operadores do direito; entretanto, na prática, a tentativa resta frustrada, exatamente porque o procedimento adotado é eivado de dúvidas e ambiguidades, e permita que cada qual dos Juízos venha a criar seu próprio modus operandi, que nada obstante se alinhe ao abstrato da lei, desvirtua a intenção mor.

 
 

Escrito por:

Laércio Losso Lisbôa
Advogado - OAB/PR 33.780 break Departamento Cível e Comercial break laercio.lisboa@marangehlen.adv.br break

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