O Superior Tribunal de Justiça, com intuito de consolidar o entendimento sobre a exclusão dos incentivos fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, julgou, em abril de 2023, o Tema 1.182. Contudo, passados mais de 2 anos, os debates e as decisões referentes a esse tema ainda têm gerado muitas discussões e insegurança jurídica, especialmente em razão da interpretação da Administração Pública.
No que diz respeito aos incentivos fiscais diversos do crédito presumido (isenção, diferimento e redução de base cálculo, por exemplo), o STJ estabeleceu que, diferentemente do crédito presumido do imposto, que representa grandeza positiva com ingresso de receita, aqueles configuram desoneração de ICMS e não possuem a mesma característica.
Por essa razão, o STJ concluiu que não podem ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando cumpridos os requisitos do artigo 10 da LC 160/2017 e do artigo 30 da Lei 12.973/2014.
E quais são os requisitos previstos na legislação?
O artigo 30 da Lei 12.973/2014 determina que os valores referentes aos incentivos fiscais devem ser registrados em reserva de lucros, podendo exclusivamente ser destinado para absorção de prejuízos fiscais ou aumento de capital social da empresa (utilização conforme incisos I e II do art. 30).
Essa restrição, conforme o Tema 1.182/STJ, tem como objetivo direcionar “a desoneração fiscal para a capitalização da empresa, proporcionando a geração de empregos e renda, tal é a sua função social.”
Já o art. 10 da Lei Complementar 160/2017 exige que o incentivo fiscal de ICMS esteja devidamente regulamentado pelo CONFAZ, por meio de Convênio ou registro e depósito realizado pelo Estado ou Distrito Federal.
Além disso, o STJ estabeleceu a possibilidade de a Fiscalização verificar se os valores foram usados em finalidade estranha à viabilidade de implantação ou expansão do empreendimento econômico.
Inclusive, no julgamento de embargos de declaração opostos pelo contribuinte, ficou esclarecido que:
(a) “a expressão final do item 3 da Tese firmada para o tema (“os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico”) está correlacionada com a “a necessidade de registro em reserva de lucros e limitações correspondentes, consoante o disposto expressamente em lei”;
(b) “a equiparação conferida pelo §4º do art. 30 da Lei n. 12.973/2014 dispensa o contribuinte apenas da comprovação de que o benefício fiscal de ICMS foi efetivamente concedido pelo Estado com a intenção de subvencionar investimento. Por outro lado, cabe ao contribuinte tratar o benefício fiscal como se subvenção de investimento fosse, mediante a observância dos requisitos constantes no art. 30 da Lei n. 12.973/2014, dentre eles a destinação prevista no caput e no §2º. Ou seja, é mister o direcionamento do resultado do benefício à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos“.
Divergência e insegurança jurídica
Ocorre que, embora o julgamento do Tema 1.182 pelo STJ tenha sinalizado uma tentativa de pacificação da matéria, o entendimento do CARF e da Fazenda Nacional ainda está longe de ser definitivo.
Mesmo após o trânsito em julgado do Tema 1.182/STJ, que deveria ser seguido pelo CARF, conforme estabelece o artigo 99 do seu Regimento Interno (Portaria MF nº 1.634/2023), continua existindo divergência nos julgamentos administrativos, o que mantém o cenário de insegurança jurídica para os contribuintes.
Inicialmente, a tendência de decisões no âmbito administrativo era no sentido estrito das teses fixadas no julgamento do STJ[1], não sendo exigida a demonstração de sua concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, mas tão somente o registro em reserva de lucros e concessão do benefício por Convênio ou Registro e Depósito no CONFAZ.
Nesse sentido, o Acórdão nº 1402-006.953, publicado em 06/01/2025: “com a publicação da LC nº 160/2017, passou a ser expressamente vedada a exigência de outros requisitos, que não aqueles constantes da própria norma, para fins de enquadramento de um dado benefício fiscal como subvenção para investimento ou não (…) Por conseguinte, passou a não mais existir a necessidade do contribuinte provar que as parcelas são concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.”
Na mesma linha os acórdãos nº 1102-001.681, em que estava em análise o benefício de redução da base de cálculo do ICMS (entre outros, como crédito presumido e outorgado) e acórdão nº 1402-006.949.
Contudo, em recente julgamento (sessão de 31 de julho de 2025, Acórdão nº 1401-007.536[2]), surpreendentemente, foram exigidos supostos requisitos que vão além do precedente vinculante e previsão legal.
Neste julgamento foram adotadas as mesmas conclusões daquelas objeto do Ato Declaratório Interpretativo da RFB 4/2024, que dispõe sobre o tratamento tributário aplicável às subvenções para investimento. Que, na verdade, mitiga o que foi definido pelo STJ.
Em primeiro lugar, as subvenções em análise no caso em concreto eram as seguintes: 87% operações com não incidência do ICMS (exportações) e 13% isenções/reduções/diferimento de ICMS.
Com relação à imunidade/não incidência do ICMS nas exportações, cumpre mencionar que foi excluída pelo STJ quando da fixação da tese pela conclusão de que corresponde a uma desoneração constitucional.
Nesse contexto, apesar de não ter sido objeto de análise o cumprimento ou não do requisito do art. 10, da LC 160/2017, o acórdão concluiu que os benefícios em análise são isenções concedidas de forma ampla e geral, e por isso não configuram renúncia de receita, como prevê o artigo 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000).
Todavia, tal premissa não tem qualquer fundamento no julgamento repetitivo do STJ, tampouco nos requisitos estabelecidos pela legislação (LC 160/2017 e Lei 12.973/2014).
Prosseguindo na conclusão de ser indevida a exclusão dos incentivos fiscais de ICMS, foi estabelecido o seguinte:
- a) Primeiramente, deve-se perquirir se a subvenção recebida corresponde a uma transferência de recursos do Estado para a Contribuinte, não se aplicando, portanto, aos benefícios que têm como destinatários os adquirentes das mercadorias ou os tomadores de serviços;
- b) A subvenção recebida deve ser contabilizada a crédito de receita, tendo como contrapartida um lançamento a débito, seja decorrente de aumento de ativo ou redução de passivo;
- c) A subvenção recebida deve resultar em acréscimo patrimonial e compor o lucro contábil.
Tais conclusões, contudo, vão na contramão do que restou decidido pelo STJ.
No que diz respeito ao destinatário do incentivo fiscal, o efetivo objetivo da instituição e aproveitamento dos benefícios fiscais é voltado para fomentar o desenvolvimento econômico e social, como, por exemplo, desenvolver determinado setor, geração de empregos, redistribuição de renda, integração do território local, interiorização da atividade econômica. Ou seja, direcionado ao próprio contribuinte para que possa cumprir com tais objetivos.
No mais, o próprio STJ diferenciou os créditos presumidos de ICMS dos demais benefícios fiscais (isenção, redução da base de cálculo, diferimento, etc.) justamente por estes representarem grandezas negativas/desonerações fiscais, enquanto aqueles, grandezas positivas, que refletem indevidamente no acréscimo patrimonial.
Ou seja, muito pelo contrário do entendimento proferido pelo CARF, no julgamento do Tema 1.182 foi reconhecido que a não tributação dos incentivos fiscais não está relacionada ao impacto no resultado, de modo que não há qualquer fundamento para exigir que resultem em acréscimo patrimonial e componham o lucro contábil.
Logo, a tentativa da Receita Federal do Brasil, validada recentemente pelo CARF no julgamento em questão, de condicionar a exclusão à apuração acréscimo patrimonial, viola o entendimento consolidado no Tema 1.182/STJ, além da legislação de regência.
O art. 111 do CTN prevê que a lei concessiva de benefícios fiscais, especialmente a isenção, deve ser interpretada literalmente, justamente para evitar interpretação ampliativa. O que, como visto, não foi respeitado no referido julgamento do CARF.
Tal julgamento representa grave violação a precedente vinculante e gera insegurança jurídica, pois, conforme consolidado pelo STJ e, até então, seguido pelo próprio CARF, sendo cumpridos os requisitos legais, os incentivos fiscais de ICMS podem ser excluídos do IRPJ e CSLL.
Espera-se que o acórdão analisado (nº 1401-007.536) represente um entendimento isolado e que, nos próximos julgamentos, o CARF observe o precedente firmado pelo STJ, evitando interpretações ampliativas equivocadas.
Maran, Gehlen & Advogados
Este artigo tem caráter meramente informativo e não constitui orientação jurídica.
[1] Acórdão nº 1402-006.953, Processo 17830.721799/2011-80, CARF / 1ª Sessão / 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, Sessão de 10 de junho de 2024
Acórdão nº 1102-001.681, Processo 10746.730340/2021-31, CARF / 1ª Seção / 1 ª Câmara / 2 ª Turma Ordinária, Sessão do dia 31 de julho de 2025
Acórdão nº 1402-006.949, Processo 10920.724158/2017-05, CARF / 1ª Seção / 4 ª Câmara / 2 ª Turma Ordinária, Sessão do dia 10 de junho 2024
[2] Acórdão nº 1401-007.536, Processo 10340.721160/2023-93, CARF / 1ª Sessão, 4ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, Sessão do dia 31 de julho de 2025