No âmbito da recuperação judicial, um dos mecanismos mais utilizados para se alcançar a finalidade do processo (recuperação da pessoa jurídica) é a obtenção de descontos, pela recuperanda, sobre os valores que tem a pagar (o chamado haircut).
Apesar de ser importante para a empresa em recuperação obter estes descontos, há um ponto na operacionalização deste mecanismo que a atinge de forma negativa: sobre o total dos descontos obtidos pela empresa em recuperação judicial, a Receita Federal tem exigido IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
Isto porque, contabilmente, o haircut implica registro da diminuição do passivo, sem que exista uma contrapartida no ativo, o que aumenta o patrimônio líquido e, desta feita, em tese, surge uma “receita contábil”.
No entanto, juridicamente, a tributação do haircut é bastante discutida. Há o entendimento, com o qual concordamos, de que é indevida a incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre os tais descontos.
Recentemente, em 2020, o Poder Legislativo aprovou o Projeto de alteração da Lei de Recuperação Judicial e Falências que, entre outras importantes mudanças, passou a prever (art. 50-A [1]) que o valor dos descontos obtidos pela recuperanda (i) não integraria a base de cálculo das Contribuições PIS/COFINS e, ainda, (ii) não estaria sujeito ao limite de 30% para compensação de prejuízo fiscal (IRPJ) e base de cálculo negativa (CSLL).
Porém, este dispositivo (entre outros) foi vetado pelo Presidente da República [2]. Ocorre que, a favor dos interesses dos contribuintes em recuperação judicial, o Congresso Nacional rejeitou o veto presidencial.
Isto ocorreu na sessão conjunta do dia 17 de março de 2021, quando Congresso Nacional derrubou o veto relativo ao art. 50-A [3].
Portanto, a partir de agora, para as empresas em recuperação judicial: (i) PIS e COFINS não incidem sobre o valor da dívida “perdoada ou remitida”; e (ii) IRPJ e CSLL: a integralidade (e não apenas 30%) da “receita” contábil obtida pelo “perdão ou remissão” de dívida poderá ser compensada com prejuízo fiscal e base negativa da CSLL.
Apesar de a inclusão na Lei de Recuperação e Falências desta nova regra ser importante e benéfica aos contribuintes, deve-se observar que (i) esta norma aplica-se apenas para o futuro e que, (ii) em determinadas circunstâncias (caso não tenha prejuízo fiscal e base negativa da CSLL suficientes para compensar todo o desconto obtido), a empresa em recuperação judicial ainda estará sujeita ao recolhimento de IRPJ e CSLL (praticamente 34% do total dos descontos).
Diante deste cenário, as empresas recuperandas devem estar atentas à possibilidade de demandar judicialmente com o objetivo de: (i) buscar seja afastada a tributação sobre os descontos (não só de PIS e COFINS, o que está agora previsto em Lei, mas também de IRPJ e CSLL); (ii) pleitear a restituição de recolhimento feito nos últimos cinco anos de todos estes tributos; ou (iii) requerer que eventual incidência tributária seja diferida e ocorra tão somente quando a recuperação judicial for, com êxito, encerrada (quando os descontos serão efetivos e irreversíveis).
Diante de todo o exposto, apesar do firme posicionamento do Fisco de que a redução do passivo decorrente do perdão ou remissão de dívidas é uma receita contábil sujeita à tributação (sob pena de restar caracterizada a omissão de receitas), frisa-se que é possível discutir esta incidência e a ação judicial é o meio adequado para tanto.
Referências:
[1] Art. 50-A da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, acrescido pelo art. 2º do projeto de lei
“Art. 50-A. Nas hipóteses de renegociação de dívidas de pessoa jurídica no âmbito de processo de recuperação judicial, estejam as dívidas sujeitas ou não a esta, e do reconhecimento de seus efeitos nas demonstrações financeiras das sociedades, deverão ser observadas as seguintes disposições:
I – a receita obtida pelo devedor não será computada na apuração da base de cálculo da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);
II – o ganho obtido pelo devedor com a redução da dívida não se sujeitará ao limite percentual de que tratam os arts. 42 e 58 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995, na apuração do imposto sobre a renda e da CSLL; e
III – as despesas correspondentes às obrigações assumidas no plano de recuperação judicial serão consideradas dedutíveis na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, desde que não tenham sido objeto de dedução anterior.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não se aplica à hipótese de dívida com:
I – pessoa jurídica que seja controladora, controlada, coligada ou interligada; ou
II – pessoa física que seja acionista controladora, sócia, titular ou administradora da pessoa jurídica devedora.”
[2] Presidência da República. MENSAGEM Nº 752, DE 24 DE DEZEMBRO DE 2020. (…) Art. 50-A da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, acrescido pelo art. 2º do projeto de lei. (…) Razões do veto: “Os dispositivos propostos concedem benefícios tributários para hipóteses de renegociação de dívidas de pessoa jurídica no âmbito de processo de recuperação judicial, estejam as dívidas sujeitas ou não a esta, e do reconhecimento de seus efeitos nas demonstrações financeiras das sociedades, nos termos das disposições especificadas no próprio projeto. [e] Entretanto, e embora se reconheça a boa intenção do legislador, tais medidas ofendem o princípio da isonomia tributária, acarretam renúncia de receita, sem o cancelamento equivalente de outra despesa obrigatória e sem que esteja acompanhada de estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, o que viola o art. 113 da ADCT, e o art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal.”
[3] Congresso Nacional. Veto nº 57/2020 (Alterações na Lei de Falências). Painel da sessão disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/vetos/-/veto/detalhe/13845.