Não raras vezes nos deparamos com notícias veiculadas nos meios de comunicação acerca de consumidores que adquiriram produtos alimentícios com corpos estranhos (tais como residuos sólidos, larvas ou insetos) no interior de suas embalagens.
Situações como esta são corriqueiras ao Poder Judiciário, motivo pelo qual as Turmas Recursais do Estado do Paraná editaram o enunciado 8.2, que estabelece que “a venda de produto impróprio ao consumo acarreta dano moral”.
Trata-se de dano moral in re ipsa, isto é, aquele que se presume e deriva do próprio ato (na hipótese, aquisição de produtos impróprios ao consumo humano), devendo o consumidor comprovar, apenas, que adquiriu o produto em tais condições.
Certo é que alimentos que contenham corpos estranhos (notadamente larvas e insetos) no interior de suas embalagens são impróprios para o consumo humano e, a toda evidência, colocam em risco a saúde e segurança do consumidor, motivo pelo qual não devem ser postos em circulação no mercado (cdc, arts. 8º e 18, §6 º, II e III[1]).
Pois bem. Somente no dia 04/08/2020, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou três recursos especiais sobre o tema e pacificou o entendimento de que “a aquisição de produto de gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo o consumidor à risco concreto de lesão à sua saúde e segurança, ainda que não ocorra a ingestão de seu conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação adequada, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana”.
Na linha deste entendimento, a relatora dos recursos, Ministra Nancy Andrighy, destacou que o dano moral, na espécie, ocorre independentemente da ingestão do alimento, eis que “a simples comercialização de produto contendo corpo estranho possui as mesmas consequências negativas à saúde e à integridade física do consumidor que sua ingestão propriamente dita”.
Os processos que deram ensejo aos referidos recursos dizem respeito a consumidores que adquiriram os seguintes produtos: (1) barra de cereal com larvas em seu interior (REsp 1876046/PR), (2) cerveja com resíduos sólidos no fundo da garrafa (REsp 1818900/SP) e (3) pacote de macarrão contendo larvas na (REsp 1830103/SP).
Inclusive, ao julgar casos semelhantes em ocasiões anteriores, a relatora já havia destacado que “o sentimento de repugnância, nojo, repulsa […] poderá se repetir toda vez que se estiver diante do mesmo produto” e, bem por isso, dá ensejo a “um abalo moral passível de compensação pecuniária”[2].
Destaque-se, por fim, que a Quarta Turma do STJ sedimentou entendimento diverso, no sentido de que reputa-se ocorrido o dano indenizável somente a partir da efetiva ingestão do alimento avariado[3].
Para visualizar a íntegra dos acórdãos mencionados neste artigo, basta clicar sobre o número dos respectivos recursos.
[1] Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores (…).
Art. 18. § 6° São impróprios ao uso e consumo:
II – os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;
III – os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.
[2] REsp 1252307/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 02/08/201.
[3] Neste sentido: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRESENÇA DE LARVA EM CHOCOLATE. INGESTÃO DO PRODUTO. AUSÊNCIA. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior tem entendimento dominante de que, ausente a ingestão do produto considerado impróprio para o consumo, em virtude da presença de corpo estranho no alimento, não se configura o dano moral indenizável. Precedentes.Agravo interno a que se nega provimento.(AgInt no REsp 1797805/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 06/06/2019)