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28/04/2021

A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE COMO MEIO DE INDENIZAÇÃO DO ERRO MÉDICO

Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que a perda de uma chance é, basicamente, quando um ato de terceiro, intencionalmente ou não, retira de um indivíduo a oportunidade de um dado benefício.

Sendo assim, em relação à exclusão da possibilidade do benefício, existe um dano jurídico passível de indenização.

É importante salientar que a indenização gravita em torno da perda da chance de vitória, e não da vitória em si.

Deste modo, na perda de uma chance não se indeniza a vantagem esperada, mas sim a frustação da oportunidade de obter a vantagem ou de evitar um prejuízo.

Por se tratar de uma situação hipotética, não há como se falar em certeza de lucro ou vantagem efetiva decorrente do resultado que o lesado pretendia obter. Porém, como já mencionado, o que se pretende indenizar é a oportunidade perdida em si e não o que foi perdido, por esse motivo deve-se demonstrar que as chances de ganhar / satisfazer a pretensão do lesado superariam a probabilidade de pelo menos 50% (cinquenta por cento) de sucesso.

Essa situação hipotética deve ser séria e real. A vítima do dano deve demonstrar que suas expectativas ultrapassam o liame de mera esperança. Tome-se, como exemplo um paciente com doença grave e incurável submetido a tratamento experimental. Nesta situação a não melhora após o tratamento não implica em frustração de chances sérias e reais, ficando apenas caracterizada o mero dissabor, uma vez que esta modalidade de tratamento não é revestida de qualquer tipo de certeza.

Nesse sentido, para separar os danos potenciais e prováveis (indenizáveis) dos danos puramente eventuais e hipotéticos, a observação da seriedade e realidade das chances perdidas é essencial.

Ou seja, a perda de uma chance passível de ser indenizada deve se revestir, ao menos, de probabilidade igual ou superior à 50 % (cinquenta por cento) de êxito.

É importante ter em mente, também, que a perda de uma chance não se confunde com lucros cessantes. Para a doutrinadora Glenda Gonçalves Gondim apesar de ambos serem conceitos relacionados à frustração de uma vantagem esperada, “o lucro cessante diz respeito à lesão a um bem jurídico que, comprovadamente, seria incorporado ao patrimônio do ofendido no futuro, acaso a conduta culposa não tivesse ocorrido. A chance representa um resultado almejado incerto, mas provável, cuja impossibilidade de acrescer o patrimônio do ofendido é atual.”

Indo adiante, para compelir o médico a reparar dano de um mau resultado ou um resultado diverso decorrente de sua ação ou omissão, é preciso verificar a presença da culpa stricto sensu em seu ato, em qualquer de suas modalidades: imperícia, negligência ou imprudência, bem como do nexo causal e do alegado dano.

Vale salientar que o dano resultante do ato médico não é, necessariamente, decorrente de culpa médica. O resultado danoso ocorre, nesses casos, independentemente da participação causal do médico, motivo pelo qual o profissional não poderá ser responsabilizado e obrigado a reparar.

Sabe-se que a obrigação do médico consiste, em princípio, na aplicação de conhecimentos atualizados, proporcionados pela ciência, com a finalidade de obter a cura, agindo com o máximo cuidado e consciência – tanto no diagnostico, quanto no tratamento em geral.

Nesse sentido, Sergio Cavalieri Filho dispõe que “Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mesmo quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, (…). Não se compromete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo aí cuidados e conselhos” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 401).

Porém, apesar de o profissional médico trabalhar da maneira correta, utilizando de todos os seus esforços e conhecimento, o resultado satisfatório nem sempre é obtido e isto não implica diretamente em erro. O erro médico, por sua vez, configura-se decorrente de atos comprovadamente culposos.

Posto isso, entende-se que a medicina se caracteriza como uma atividade de meio, na qual o profissional (como já mencionado) não pode obter a cura, mas sim, buscá-la aplicando todo o seu conhecimento.

Pois bem. Ao analisar a teoria sob a ótica do erro médico, deve-se entender que o dano surge quando, em decorrência de uma intervenção médica (atos culposos), a chance de vida ou a possibilidade cura do paciente está ameaçada.

Ou seja, o bem jurídico tutelado pela teoria nos casos de erros médicos, seria a chance de sobreviver, de ter cura, de ter uma sobrevida maior e com mais qualidade, ou a chance de ter uma maior qualidade de vida durante a recuperação da saúde e força após doenças ou lesões.

Acontece que, ao se aplicar a teoria da perda da chance ao erro médico, há relativa incerteza relacionada ao nexo causal, especialmente, ao apurar se o ato do médico foi a causa ou não do fato. A incerteza está na participação do médico no resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da doença, por exemplo, e não pela falha de tratamento.

Para Sergio Cavalieri Filho: “A atividade médica, normalmente omissiva, não causa a doença ou a morte do paciente, mas faz com que o doente perca a possibilidade de que a doença possa vir a ser curada. Se o paciente, por exemplo, tivesse sido internado a tempo ou operado imediatamente, talvez não tivesse falecido. A omissão médica, embora culposa, não é, a rigor, a causa do dano; apenas faz com que o paciente perca uma possibilidade. Só nesses casos é possível falar em indenização pela perda de uma chance. Se houver erro médico e esse erro provocar ab orige o fato de que decorre o dano, não há que se falar em perda de uma chance, mas, em dano causado diretamente pelo médico” (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 86).

Sendo assim, a teoria só poderá ser invocada quando a vítima não conseguir provar o nexo causal entre a ação culposa e o dano final, caso contrário não se trata de perda de uma chance e sim de uma situação de responsabilidade direta do profissional médico.

Apesar de ser um erro passível de indenização, estabelecer o quantum da reparação da perda de uma chance se tornou muito difícil. Não se indeniza o prejuízo final. Busca-se a quantificação específica da “chance”, da possibilidade perdida de se obter condições mais favoráveis ao doente, comprometida pela atuação do profissional de medicina.

Na perda de uma chance de cura ou sobrevivência, há o prejuízo final, certo (morte ou lesão sofridas pela vítima), mas de causalidade duvidosa. Nunca se saberá se o erro de diagnóstico, por exemplo, acaso não tivesse ocorrido, impediria ou não a morte do doente, acometido de alguma forma de câncer. Mas a dúvida não paira, por outro lado, quanto ao fato de o equivocado ou tardio diagnóstico ter comprometido, ao menos, uma oportunidade concreta de cura ou maior período de sobrevida. E é essa chance (ou chances) que se procurará reparar. (KFOURI NETO, 2018, p. 336)

A reparação, neste caso, é integral pela perda de uma chance, mas menor que a reparação cabível caso se cogitasse apenas o prejuízo final.

Portanto, cabe ao julgador definir a extensão da oportunidade perdida com a maior precisão possível. Examinar a eficácia de uma probabilidade frustrada pelo ato médico e, ainda, considerar o grau de culpa do profissional ao omitir uma medida que, hipoteticamente, poderia ter evitado o prejuízo final.

O E. TJ/PR posicionou-se recentemente sobre o tema ao responsabilizar o hospital pelo ato culposo do funcionário, o qual não realizou avaliação secundária do paciente e, por conta disso, impediu o diagnóstico de hemorragia interna, motivo que levou o paciente a óbito, invocando, para fins de responsabilidade civil a teoria da perda de uma chance Veja-se:

(…) ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE DO HOSPITAL POR ATO CULPOSO DE SEU FUNCIONÁRIO OU PREPOSTO. – PACIENTE INTERNADO EM RAZÃO DE LESÕES SOFRIDAS EM ATROPELAMENTO. NÃO REALIZAÇÃO DE AVALIAÇÃO SECUNDÁRIA. OMISSÃO QUE IMPEDIU DIAGNÓSTICO DE HEMORRAGIA INTERNA. ÓBITO DA VÍTIMA. – IMPOSSIBILIDADE DE SE DETERMINAR O NEXO CAUSAL DIRETO E IMEDIATO ENTRE A FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO MÉDICO HOSPITALAR E A MORTE DA VÍTIMA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A FALHA NO ATENDIMENTO E A REDUÇÃO DAS CHANCES DE SOBREVIDA DO PACIENTE RECONHECIDA EM PROVA PERICIAL. – DANO MORAL PELA PERDA DO MARIDO E PAI DOS AUTORES. INDENIZAÇÃO QUE DEVE CORRESPONDER À PERDA DA CHANCE E NÃO AO DANO EM SI. VALOR DA INDENIZAÇÃO REDUZIDO PARA R$25.000,00 PARA CADA AUTOR. – PENSIONAMENTO. FAMÍLIA DA BAIXA RENDA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DA VIÚVA PRESUMIDA. – (…).
(TJ-PR – APL: 00132891120128160017 PR 0013289-11.2012.8.16.0017 (Acórdão), Relator: Juiz Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso, Data de Julgamento: 13/08/2020, 9ª Câmara Cível, Data de Publicação: 14/08/2020)

Posto isso, conclui-se que a perda de uma chance, como forma de se reparar a destruição de um resultado favorável ao paciente, deve ser invocada quando não configurado que o evento danoso foi causado diretamente pelo médico, mas sim quando algum ato culposo diminuiu as chances de sobrevivência/recuperação do paciente demonstrando-se, contudo, de que as chances seriam concretas.

Para fins de quantificação do quantum indenizatório, o julgador, por sua vez, deve se pautar na chance perdida e não no dano, diretamente.

Escrito por Larissa Sousa Alarcon (Acadêmica de Direito) e Marcela Marcondes Rodrigues (OAB/PR 72.324)

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Marcela Marcondes Rodrigues
Advogada - OAB/PR 72.324 break Departamento - Cível e Comercial break marcela.rodrigues@marangehlen.adv.br break

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