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06/05/2020

A RELAÇÃO DOS DEPENDENTES COM O PLANO DE SAÚDE APÓS MORTE DO TITULAR.

Não é rara a existência de instabilidade na relação jurídica entre os beneficiários e as empresas operadoras de planos de assistência à saúde, mormente por motivos financeiros ou que permeiam a própria assistência prestada e condições contratuais consideradas abusivas.

Núcleo destas breves considerações, a possibilidade de manutenção do contrato entre o plano de saúde e o dependente após a morte do titular é dúvida geral, ou seja, questiona-se se as operadoras dos planos de assistência à saúde estariam obrigadas a efetivar a transferência do contrato aos dependentes após o falecimento do titular contratante.

Importa anotar que era comum em alguns contratos de planos de saúde – tanto anteriores à regulamentação do setor, quanto posteriores – constarem cláusulas sobre remissão, entendida como a continuidade do atendimento aos dependentes após a morte do titular, por período determinado e ainda que sem cobrança de mensalidades, pelo que, exaurido o prazo, algumas operadoras cancelavam o plano e os dependentes ficavam sem assistência.

Ponto central para análise da situação abstrata é a incidência do direito do consumidor, pois não se pode afastá-lo da relação entre as partes, cliente e fornecedor de serviços, sobretudo porque a proteção do consumidor foi alçada a status de direito fundamental (CF, art. 5º, XXXII), posteriormente regulamentado por um sistema jurídico autônomo instituído pela Lei nº 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor.

Em análise conjunta da questão, pois envolve relação com operadora de plano de saúde, incide a Lei nº 9.656/1998, que dispôs sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, criando dispositivos sobre as vedações aplicadas aos contratos, requisitos de funcionamento dos planos, regras de cobertura assistencial, regras relativas aos contratos, entre outras disposições.

Há também que se referir aos regulamentos expedidos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, autarquia sob o regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde, com atuação em todo o território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a qualificação da atenção à saúde no setor de saúde suplementar.

Neste contexto analítico, uma norma não elimina a outra, ambas devem ser consideradas quando se analisam situações relativas aos planos de saúde, o que se perfectibiliza em verdadeiro diálogo das fontes legislativas aplicáveis ao regramento das relações de consumo, conforme ensina a doutrina especializa.

Para fins de análise, a mera classificação do plano de assistência à saúde não terá relevância. Neste critério, e apenas para fins informativos, a Resolução Normativa – RN ANS nº 195, de 14 de julho de 2009, classificou os planos privados de assistência à saúde, para fins de contratação, em: individual ou familiar; coletivo empresarial; ou coletivo por adesão.

Aliás, há alguns anos a Agência Nacional de Saúde Suplementar possui entendimento firme de que os dependentes de titular falecido não podem ser expulsos do plano, seja qual for a modalidade. Todavia, ainda nos deparamos com tal situação, em evidente desrespeito às normas e regulamentos do setor.

Destaca-se que a manutenção dos dependentes que já figuravam no plano de saúde é garantida pelo § 1º do artigo 3º da mencionada Resolução Normativa – RN ANS nº 195/2009, ao dispor que “A extinção do vínculo do titular do plano familiar não extingue o contrato, sendo assegurado aos dependentes já inscritos o direito à manutenção das mesmas condições contratuais, com a assunção das obrigações decorrentes”.

Ainda sobre o tema, buscando impedir a prática pelas operadoras, a Agência Nacional de Saúde Suplementar editou a Súmula Normativa nº 13,[i] a qual traz o entendimento de que o término do período de remissão não extingue o contrato de plano familiar, sendo certo que os dependentes assumem o pagamento das mensalidades e têm garantido o direito de manutenção do plano nas mesmas condições contratuais.

Nesta linha de compreensão, o Poder Judiciário entende que o falecimento do titular do plano não é capaz de produzir alteração substancial no contrato com a operadora, ou mesmo nas condições do plano contratado, mormente porque os beneficiários remanescentes continuarão com as mesmas obrigações contratuais do titular original, isto é, assumirão as obrigações pecuniárias contraprestativas, como de fato deve ser e, portanto, possuem reconhecido direito pela manutenção no plano de saúde, ainda que coletivo, não havendo razão para a rescisão unilateral do contrato pela operadora.

Portanto, o banimento dos dependentes do contrato pela operadora do plano de saúde constitui flagrante vício na prestação do serviço, mormente porque analisado sobre o viés da responsabilização civil nas relações de consumo, a qual repousa na teoria da qualidade do serviço ou do produto, notadamente em relação à segurança legitimamente esperada (CDC, art. 14). Este fato do serviço tratado pelo dispositivo mencionado é entendido como todo acontecimento externo causador de danos materiais ou morais ao consumidor, todavia, decorrente de um defeito na prestação do serviço, por excelência atribuído ao fornecedor.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça tem firme jurisprudência que protege o direito dos dependentes em continuarem no plano de saúde, como se percebe a seguir:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM O ENTENDIMENTO DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, ante o falecimento do titular, os seus dependentes dispõem do direito de continuar no plano de saúde, preservadas as condições anteriormente contratadas, desde que assumindo as obrigações dele decorrentes. Incidência da Súmula 83/STJ.
2. “A superveniência da edição da Súmula nº 13 da Agência Nacional de Saúde Suplementar – considerando os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da proteção da segurança jurídica e da proteção à entidade familiar – enseja o reconhecimento do direito à manutenção das mesmas condições contratuais por consumidora em mais de 75 anos de idade e 33 de contrato.” (AgRg no Ag 1.378.703/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe 01/07/2011) 3. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1428473/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 28/06/2019)

Por tudo que se expôs é garantido aos dependentes do titular falecido de plano de saúde a manutenção das condições contratuais do plano, sem cumprimento de qualquer carência, e mediante assunção das obrigações decorrentes.

Por fim, e não menos importante considerando o atual cenário nacional de pandemia provocado pelo coronavírus, destaca-se que a Agência Nacional de Saúde Suplementar incluiu o exame de detecção do coronavírus no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde obrigatórios para beneficiários de planos de saúde, conforme dispôs a Resolução Normativa – RN nº 453, de 12 de março de 2020, valendo ressaltar que, doravante, as operadoras de planos de assistência à saúde não podem negar a seus usuários a cobertura de testes diagnósticos por infecção pelo Coronavírus.

 

[i] SÚMULA NORMATIVA N° 13, DE 3 DE NOVEMBRO DE 2010.

A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, no uso da competência que lhe conferem os arts. 3º e 4º, incisos II, XXIV e XXVIII, combinado com o art. 10, inciso II, da Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000, e em conformidade com o inciso III do art. 6º do Regimento Interno, aprovado pela Resolução Normativa – RN n° 197, de 16 de julho de 2009.
Considerando os princípios dispostos no texto da Constituição da República de 1988, especialmente o da igualdade (art. 5º, caput), o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), o da liberdade (art. 5º, caput), o da proteção da segurança jurídica e o da proteção à entidade familiar (art. 226, § 4º);
Considerando as hipóteses de manutenção de titularidade, previstas no art. 6º, § 2º , da RN nº 186, de 14 de janeiro de 2009, e no art. 3º, § 1º, da RN n° 195, de 14 de julho de 2009.
RESOLVE:
Adotar o seguinte entendimento vinculativo:
1 – O término da remissão não extingue o contrato de plano familiar, sendo assegurado aos dependentes já inscritos o direito à manutenção das mesmas condições contratuais, com a assunção das obrigações decorrentes, para os contratos firmados a qualquer tempo.
MAURICIO CESCHIN
Diretor

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Escrito por:

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Gustavo Guevara Malvestiti
Advogado - OAB/PR 37.640 break Departamento Cível e Trabalhista break gustavo.guevara@marangehlen.adv.br break

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