No contexto da reforma tributária, o artigo 146, § 1º, I da Lei Complementar nº 214/2025 estabelece que as alíquotas de IBS e CBS são reduzidas a zero no fornecimento de medicamentos que sejam adquiridos por órgãos da Administração Pública direta, autarquias, fundações públicas, desde que registrados na ANVISA.
Essa restrição permite constatar que quando o medicamento ainda não obteve o registro na ANVISA a redução não é cabível.
Todavia, a limitação legal quanto ao registro na Agência de Vigilância Sanitária para fins de aplicação do benefício tributário desdobra uma problemática quando se analisa um contexto judicial envolvendo a temática.
Isso porque, a despeito de no Tema nº 500 de RG (RE 657.718) o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido que, em regra, o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos não registrados pela ANVISA, ressalvaram-se as hipóteses excepcionais de concessão de medicamentos sem o devido registro a partir de critérios a serem observados cumulativamente, quais sejam:
- A mora irrazoável da ANVISA em apreciar e aprovar o pedido;
- Existência de um pedido de registro (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
- Inexistência de substituto terapêutico registrado no Brasil;
- Medicamento registrado em empresas de regulação renomadas no exterior.
Esse contexto excepcional criado pela jurisprudência vinculante da Suprema Corte gera um potencial conflito no âmbito da Lei Complementar nº 214/2025, pois, estaria a Administração Pública (a União, nesse caso) submetida à tributação normal de IBS e CBS, que inexiste (é zerada) para medicamentos registrados na ANVISA.
Diante disso, o silêncio do legislador no que se refere à previsibilidade do entendimento jurisprudencial impõe um possível tratamento fiscal desigual em situações idênticas, em que se visa atender a finalidade precípua de desonerar a prestação de serviços pelos entes públicos quando se trata de garantir o direito universal a saúde.
Ainda, permite-se, em tese, a tributação recíproca entre entes federativos. Isso porque, como mencionado, quando a Administração Pública for compelida por ordem judicial (em atenção ao Tema nº 500/STF) a adquirir medicamentos não registrados na ANVISA, não haverá o benefício da alíquota zero para IBS e CBS), esse potencial tributação recíproca afeta a respectiva autonomia dos entes e resulta, assim, em violação ao pacto federativo.
Não se desconhece a preocupação do legislador em vincular o benefício fiscal concedido aos órgãos mencionados no art. 146, § 1º, I, da LC nº 214/2025 ao registro na respectiva Agência Sanitária, contudo, a não criação de regra expressa quanto às situações excepcionais de concessão de medicamentos ainda não registrados na ANVISA, nos termos autorizados pela jurisprudência do STF, pode comprometer a distribuição de benefícios fiscais e tornar ainda mais oneroso o cumprimento das ordens judiciais de fornecimento de medicamentos, afetando, sobremaneira, o exercício orçamentário destes órgãos.
Maran, Gehlen & Advogados
Este artigo tem caráter meramente informativo e não constitui orientação jurídica.