No âmbito da reforma tributária, o ramo da construção civil obteve grande atenção quanto às alterações propostas para regime atual, principalmente pelas falas e notícias antagônicas proferidas pela Receita Federal e jornais.
Enquanto o Secretário da Receita Federal, Bernard Appy[1], afirma que o preço dos imóveis sofrerá redução com a reforma em razão da queda da tributação sobre a indústria que atende a construção civil, o setor apresenta preocupação com a tributação incidente sobre a própria atividade.
Antes da reforma, o setor contava com a tributação diversificada entre União, Estados e Municípios, sendo beneficiado com incentivos fiscais próprios para o desenvolvimento de suas atividades, como redutores de alíquota do ISS pelos municípios e o Regime Especial de Tributação – RET, que reduzia significativamente a incidência da tributação federal (Lei nº 10.931/2004).
Agora, por meio da Lei Complementar nº 214/2025, a atividade da construção civil restou regulamentada dentro do capítulo que trata das operações com bens imóveis, o qual inclui também as atividades de intermediação, locação e alienação.
Apesar de o tratamento ser comum às atividades acima relacionadas, a normativa introduziu algumas especificidades quanto ao regime da construção civil, especialmente quanto à empreitada global, que abrange o fornecimento do serviço de construção e dos materiais empregados.
Antes da reforma, a incidência do ISS, em regra, era prevista exclusivamente sobre o valor do serviço prestado, sendo excluído o valor dos materiais empregados (LC nº 116/2003 – Art. 7º e item 7.02 da lista anexa[2]).
Vale observar que, conforme definido pelo STJ no julgamento do Recurso Especial nº 1.916.376/RS[3], a exclusão do valor dos materiais da base do ISS depende da presença de dois elementos: que os materiais tenham sido produzidos pela prestadora do serviço fora do local da obra e que tenham sido destacadamente comercializados com a incidência do ICMS.
Com a reforma tributária, caso haja o fornecimento da mão de obra e dos materiais, a tributação unificada do IBS e do CBS será incidente sobre a totalidade dos valores (serviço e materiais).
Quanto ao creditamento, na hipótese de o tomador ser não contribuinte do regime regular dos novos tributos, há um limite a ser observado: “no caso de prestação de serviço de construção civil a não contribuinte do regime regular do IBS e da CBS em que haja o fornecimento de materiais de construção, o prestador do serviço só poderá apropriar o crédito de IBS e CBS relativo à aquisição dos materiais de construção até o valor do débito reativo à prestação do serviço de construção civil”. (LC nº 214/2025, art. 255, §5º).
Nessa hipótese (quando o tomador não é contribuinte do regime regular de IBS e CBS), se os custos forem suportados integralmente pelo empreiteiro para posterior ressarcimento dos valores pelo cliente, o valor do creditamento sobre os dispêndios com materiais restará limitado ao valor da prestação do serviço de construção civil.
Dentro dos contornos legislativos até então apresentados, extrai-se uma possível oneração sobre a prestação do serviço de construção civil, embora exista o direito ao creditamento e também previsão de reduções da tributação incidente sobre a alienação de imóveis para contribuintes regulares do IBS e CBS (LC nº 214/2025 – Art. 257, que trata do redutor de ajuste).
Portanto, a realidade tributária da construção civil após reforma se apresenta com mudanças significativas, principalmente quanto à possível modificação de regimes beneficiados, o que demandará possível revisão na forma de atuação do setor.
Maran, Gehlen & Advogados Associados
Este artigo tem caráter meramente informativo e não constitui orientação jurídica.
[1] https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2024/novembro/industria-da-construcao-civil-se-organizara-de-forma-mais-eficiente-com-o-novo-sistema-de-tributacao-afirma-appy
[2] Art. 7o A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. (…) § 2o Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza: I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar; (…) LISTA ANEXA – ITEM 7.02 – Execução, por administração, empreitada ou subempreitada, de obras de construção civil, hidráulica ou elétrica e de outras obras semelhantes, inclusive sondagem, perfuração de poços, escavação, drenagem e irrigação, terraplanagem, pavimentação, concretagem e a instalação e montagem de produtos, peças e equipamentos (exceto o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, que fica sujeito ao ICMS).
[3] PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ACÓRDÃO COMBATIDO. DECISÃO SURPRESA. INEXISTÊNCIA. ISS. BASE DE CÁLCULO. SERVIÇO DE CONCRETAGEM. DEDUÇÃO DOS MATERIAS EMPREGADOS. IMPOSSIBILIDADE. (…) 2. Esta Corte Superior há muito consolidou o entendimento de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço de construção civil contratado, não sendo possível deduzir os materiais empregados, salvo se produzidos pelo prestador fora do local da obra e por ele destacadamente comercializados com a incidência do ICMS. (…) (REsp n. 1.916.376/RS, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 14/3/2023, DJe de 18/4/2023.)