Mídia

Artigos, Notícias
04/09/2023

A (IM)POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS

A criação dos Juizados Especiais Cíveis encontra-se prevista no art. 98, inc. I, da Constituição Federal[1], que atribui ao órgão a competência para julgar causas cíveis de menor complexidade, mediante procedimento oral e sumaríssimo.

A partir desta determinação, surgiu a Lei n° 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, dentre elas, destaca a importância dos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, celeridade e conciliação[2] como vetores hermenêuticos[3] à tomada de decisões no âmbito dos Juizados – tornando evidente que a principal motivação à criação dos Juizados é atribuir celeridade à prestação jurisdicional às causas cuja complexidade assim permite.

Neste contexto, o presente artigo analisa a (im)possibilidade de interposição do Agravo de Instrumento como remédio processual às decisões interlocutórias proferidas em processos que tramitam perante os Juizados Especiais Cíveis, defendendo o não cabimento nestes casos.

Pois bem. O primeiro – e, possivelmente, o mais contundente – argumento, a fim de que se chegue à conclusão aqui pretendida, gira em torno do fato de inexistir qualquer disposição legal, na redação da Lei n° 9.099/95, neste sentido.

Ora, o cabimento, ou seja, a existência de previsão legal de que um provimento judicial é passível de interposição de um recurso, é pressuposto intrínseco de admissibilidade recursal. Ou seja, é dizer que somente é possível interpor um recurso quando ele estiver expressamente previsto em Lei. Neste sentido, a doutrina de Cassio Scarpinella Bueno:

“O recurso, para ser admitido, deve ser previsto em lei e, mais do que isso, tem de ser, pelo menos em tese, o recurso adequado para contratar a específica decisão que causa gravame ao recorrente ou, conforme o caso, o recurso adequado para remoção de um específico gravame. Trata-se de reflexo decorrente dos princípios da taxatividade e da correlação, respectivamente.”[4]

Vale ressaltar que não se olvida quanto à aplicação subsidiária do Código de Processo Civil que, por sua vez, prevê a interposição do recurso de Agravo de Instrumento contra decisões interlocutórias, dentro do rol do seu taxativo artigo 1.015.

No entanto, verifica-se a existência de uma antinomia neste caso: é incontestável que a possibilidade de interposição de recurso contra cada decisão interlocutória proferida ao longo de um processo, torna-o consideravelmente mais moroso, o que entra em confronto direto com os princípios da celeridade, economia processual e até da oralidade, cuja força normativa prevalece no rito sumaríssimo – haja vista que a lei especial derroga a lei geral.

Nesta mesma linha de raciocínio, a doutrina de Gonçalves defende que o uso do Agravo de Instrumento, no rito sumaríssimo, provocaria atrasos incompatíveis com a celeridade que dele se exige[5].

Frisa-se, além disso, que o fato de tais decisões não serem, de pronto, recorríveis, não implica, necessariamente, em prejuízo à máxima dos princípios do contraditório e da ampla defesa, uma vez que tais decisões, na forma dos ensinamentos de Nelson Nery Junior e Rosa Nery, não precluem e poderão ser objeto de Recurso Inominado[6].

Por outro lado, é evidente que, a depender do conteúdo decisório, a interposição de recurso em momento processual diverso pode vir a prejudicar – ou até inutilizar – o resultado útil do processo.

Em razão disso, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n° 376[7], esclarecendo ser possível impetrar Mandado de Segurança contra ato de Juizado Especial – fato este que, inclusive, corrobora com o não cabimento do Agravo, tendo em vista que “não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso”, a teor da Súmula n° 267 do Supremo Tribunal Federal[8].

De toda forma, sabe-se que o Mandado de Segurança é via processual restrita, sem dilação probatória que, muitas vezes, torna-se “um caminho melindroso para o debate de questões intercorrentes ao curso processual”[9].

Foi por este motivo que alguns Tribunais passaram a editar Resoluções que admitem a interposição de Agravo de Instrumento em determinados casos. A título de exemplo, cita-se o art. 80, da Resolução n° 20/2021 do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, e o Enunciado n° 02, editado no I Encontro do Primeiro Colégio Recursal dos Juizados Especiais Cíveis da Capital do Estado de São Paulo. Confira-se:

Art. 80. É cabível o agravo de instrumento contra decisão:
I – que deferir ou indeferir providências cautelares ou antecipatórias de tutela, nos juizados especiais da fazenda pública;
II – no incidente de desconsideração da personalidade jurídica nos juizados especiais cíveis;
III – não atacável por outro recurso, desde que fundado na ocorrência de erro de procedimento ou de ato apto a causar dano irreparável ou de difícil reparação na fase de execução ou de cumprimento de sentença.

 Enunciado n° 02. É admissível, no caso de lesão grave e difícil reparação, o recurso de agravo de instrumento no juizado especial cível

Todavia, é de se observar que tal inovação legislativa não se mostra adequada, tendo em vista que a função primordial de uma Resolução, no ordenamento jurídico brasileiro, é a de especificar a lei, sem, contudo, inová-la. Aliás, é em decorrência disto que a pirâmide de Hans Kelsen traz as Resoluções como base da pirâmide legislativa.

Noutra senda, vale mencionar que, em âmbito federal, o cabimento do Agravo de Instrumento encontra-se expresso no art. 4º da Lei n° 10.259/2001[10]. Ainda assim, as hipóteses são bastante restritas, devendo as demais, que não se encontrarem previstas no rol taxativo, serem enfrentadas por meio de Recurso Inominado, a teor do art. 5º da Lei n° 10.259/2001[11] e do Enunciado n° 107 do FONAJEF[12].

De toda forma, tal fato ganha importância ao passo que também reforça o argumento de que o Agravo de Instrumento não é cabível nos Juizados Especiais Cíveis: ora, se assim o legislador pretendia, deveria ter previsto de forma expressa na Lei n° 9.099/1995, como é o caso do Recurso Inominado e dos Embargos de Declaração – e do próprio Agravo de Instrumento nos Juizados Federais.

Aliás, é possível que o legislador somente tenha admitido o Agravo, em âmbito federal, pelo fato de o tramite das ações em sede de Juizado Especial Federal não ser de livre escolha do jurisdicionado, mas depender exclusivamente do valor da causa a ser julgada pela, na forma do art. 3º da Lei n° 10.259/2001[13].

Sendo assim, não havendo qualquer disposição legal em sentido diverso, e verificando a existência de princípios norteadores como óbice, conclui-se que o Agravo de Instrumento, de fato, não é admitido no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, de modo que as Resoluções, editadas pelos Tribunais Pátrios em sentido diverso, tratam-se de inovações legislativas, que extrapolam os limites dos poderes atribuídos ao Judiciário.

Escrito por Laura Cancela da Cruz (OAB/PR 117.741)


[1] Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

[2] Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

[3] CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados especiais cíveis estaduais, federais e da fazenda pública: uma abordagem crítica. 6. Ed. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

[4] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil, v. 2: procedimento comum, processos nos tribunais e recursos. 9. São Paulo: Saraiva, 2020. 1 recurso online. ISBN 9788553617746.

[5] GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios; Novo Curso de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

[6] JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

[7] Súmula n° 376/STJ. Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial.

[8] Súmula n° 267/STF. Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.

[9] BEZERRA, Yuri do Amaral et. al. Da interposição de agravo de instrumento no âmbito dos juizados especiais cíveis. Revista Consultor Jurídico. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2022-out-14/bezerrae-bastos-agravo-instrumento-ambito-jecs>

[10] Art. 4o. O Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação.

[11] Art. 5o. Exceto nos casos do art. 4o, somente será admitido recurso de sentença definitiva.

[12] Enunciado nº. 107 do FONAJEF. Fora das hipóteses do artigo 4º da Lei 10.259/2001, a impugnação de decisões interlocutórias proferidas antes da sentença deverá ser feita no recurso desta (art. 41 da Lei nº 9.099/95).

[13] Art. 3o Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.

Escrito por:

[avatar]
Laura Cancela da Cruz
Advogada - OAB/PR 117.741 break Departamento Cível e Comercial break laura.cruz@marangehlen.adv.br break

Voltar