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Artigos, Covid-19
08/05/2020

COVID-19, A “DÚVIDA JURÍDICA RAZOÁVEL”, A INSEGURANÇA JURÍDICA, E OS REFLEXOS PRÁTICOS AOS HONORÁRIOS E VERBAS DE SUCUMBÊNCIA

Em apertada síntese, “dúvida jurídica razoável” poderia ser descrita, à falta de clareza e objetividade de uma norma jurídica, por multiplicidade de interpretações possíveis com colisão de direitos antagônicos, como um elemento que caracterizaria possível exclusão, modificação, ou atenuação do liame obrigacional vinculado à responsabilidade civil, com afastamento de efeitos jurídicos desproporcionais ou prejudiciais a uma ou ambas as partes.

Pois bem. O ramo do Direito se baseia praticamente em “valor” e “norma”, e aos inegáveis impactos negativos advindos com a pandemia do coronavírus, especialmente ao âmbito de relações do direito privado, permitiriam ao julgador mitigar ou anular o dever indenizatório, por exemplo, efetivamente porquanto a excepcionalidade da situação detenha capacidade de, transitoriamente, transmudar a licitude da conduta do cidadão.

Conforme já debatido em outros artigos dos renomados causídicos que fazem do quadro profissional da Maran Gehlen Advogados Associados, abordando questões como conduta proibitiva e punitiva advinda dos síndicos de condomínios, prestações de alimentos, a existência da lei emergencial à tentativa de minimizar efeitos da pandemia na sociedade brasileira (Projeto de Lei nº 1.179/2020), e como exemplo complementar, a eventual negativa dos planos de saúde em permitir cobertura ao atendimento aos infectados pela doença independentemente de cumprimento do período de carência, precípuo identificar que não merece subsistir insegurança jurídica, ao subterfúgio da incidência da “dúvida razoável”, para rompimento do liame obrigacional típico. Explica-se a sede da parcimônia.

Impedir a prisão do devedor de alimentos, ou revisionar seus valores, enquanto perdurar a situação excepcional, há de se limitar ao que predispõe a lei transitória, mas de forma alguma pode compor isenção da dívida ou a desobrigação de seu pagamento; medidas do síndico, para evitar aglomerações às áreas comuns, hão de respeitar o direito individual de cada condômino, às suas necessidades inclusive, sendo desarrazoado impedir entrada de familiares às unidades habitacionais, ou restringir presença de pedreiros, pintores, ou outros profissionais, que eventualmente estejam executando serviços pontuais em um apartamento; exigir aos planos de saúde, custeio de tratamentos vinculados à doença pandêmica, desconsiderando uma carência, em nada se relaciona às demais obrigações, de a este desrespeito contratual atípico, estender efeitos e cobertura a toda e qualquer doença.

Daí exsurge que tal instituto não pode romper a segurança jurídica. Se a dúvida permite excluir a responsabilidade civil, ou quando pouco, justificar mitigação ou isenção de eventual indenização, ou limitar à concessão de uma obrigação de fazer ou não fazer tão somente, não pode ao descompasso, afastar as abstrações normativas colaterais ou típicas, que se isentam daquela parcela desvinculada da normalidade.

Basta lembrarmos que o Poder Judiciário não é um órgão consultivo; acionado, há de decidir aos fatos e direitos invocados, resistidos ou não. E impossível desvencilhar: vedado está ao julgador, sob égide da “dúvida jurídica razoável”, eventualmente pretender atingir direito alheio, e quem sabe, buscar afastar a condenação do vencido a custear honorários sucumbenciais, já que isto em nada se vincula ao embate jurisdicional.

Com tal em mente, certo é que pela regra, não há (ou haverá) dispensa ao pagamento das custas e despesas processuais inerentes, à particularidade da situação; se o Estado não abdica de seu interesse, qual seria a parcela de justiça, ao desobrigar o derrotado na ação, ao pagamento das verbas sucumbenciais honorárias, quais inclusive, compõem parcela de cunho alimentar dos advogados?

Impossível que sobrevenha tamanha confusão. O que está sob égide da “dúvida”, é a existência do direito, e à excepcional situação fática, permissão para mitigação da aplicação das normas jurídicas a ele vinculadas, e não, às demais, quais não guardem relação àquele, mas decorram de seu exercício.

Ademais, a tal “dúvida” justamente compõe a causalidade em si para a manobra jurisdicional, sejam às situações excepcionais, ou à própria colisão típica de interesses privados, quais em ambos os casos, exigem a pacificação pelo julgamento.

Se cada situação em particular deva ser obrigatoriamente analisada sob espeque única, justamente à incerteza da plena aplicabilidade de uma abstração, inegável que tanto o Poder Judiciário necessite recolher de suas taxas, como os profissionais envolvidos à defesa de seus clientes, mereçam a devida retribuição, sendo insuficiente para interpretação contrária a vã tentativa de justificar que a modulação da ciência jurídica componha autorizativo, já que há de ser aplicada excepcionalmente ao ponto fulcral do embate, e não a parcela legislativa que não guarde vínculo direto ao objeto do litígio.

A segurança jurídica há de compor, prima facie, o princípio a ordenar a conduta jurisdicional, protegendo o direito tanto das partes litigantes, como de terceiros, sendo que tal não pode ser rompida por via indireta, sob argumento de “dúvida razoável”.

 

Escrito por:

Laércio Losso Lisbôa
Advogado - OAB/PR 33.780 break Departamento Cível e Comercial break laercio.lisboa@marangehlen.adv.br break

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