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28/04/2020

CONSUMIDOR: DINHEIRO NOVO, DÍVIDA NOVA?

Recorde de endividamento. Conforme pesquisa realizada pelo CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), “o número de famílias com dívidas em cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro e seguro bateu novo recorde em abril de 2020, alcançando 66,6%”, o maior percentual desde 2010.

Portanto, os brasileiros estão mais endividados que o normal, justamente no período em que o Brasil já enfrentava uma severa crise político-financeira, que foi alavancada pelos efeitos decorrentes do Coronavírus. Os comércios fecharam, grandes seguimentos da indústria e do ramo da prestação de serviços pararam e/ou tiveram seus faturamentos radicalmente reduzidos, trabalhadores foram demitidos ou dispensados de seus empregos, bem como experimentaram a redução de salários e remunerações. Não parece coincidência.

Nesta linha, em 24 de abril de 2020, o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 958/20 que “estabelece normas para a facilitação do acesso ao crédito e mitigação dos impactos econômicos decorrentes da pandemia de coronavírus”.

Por meio do aludido diploma normativo, o Governo Federal reduziu o rol de documentos a serem exigidos pelos bancos públicos quando das contratações e renegociações de empréstimos, desburocratizando o processo e, em tese, facilitando o acesso ao crédito. É dizer, dinheiro mais fácil ao empresário, ao cidadão e ao consumidor.

Com isto, a MP 958, que tem força de lei desde sua edição (por 120 dias, se não for rejeitada ou aprovada pela Câmara e pelo Senado neste lapso), evidentemente atenderá às necessidades imediatas de inúmeras empresários e integrantes dos demais setores econômicos, além das famílias brasileiras que, de alguma forma, vêm sofrendo impactos econômico-financeiros negativos em razão de toda esta instabilidade.

Decorre daí a conclusão lógica no sentido de que facilitar a obtenção de crédito não basta. É necessário que estas medidas estejam atreladas a providências no sentido de elastecer e flexibilizar, de forma razoável, os prazos e condições para pagamento das dívidas contraídas neste período. Do contrário, parece certo que o inadimplemento continuará se perpetrando.

Mas este aspecto deve ser analisado com prudência e atenção. Alguns bancos já estão oferecendo aos seus clientes a possibilidade de prorrogação do pagamento de empréstimos, sem cobrar os encargos de mora (juros moratórios ou multas contratuais, devidos em razão do atraso no pagamento). Entretanto, os encargos remuneratórios (aqueles exigidos pelos Bancos pela disponibilização dos recursos), continuam sendo cobrados e, acima de tudo, capitalizados. Juros em cima de juros.

Certamente as prorrogações de pagamento servirão como forma de desafogar momentaneamente aqueles que se encontram em uma situação financeira delicada. Terão, desta feita, certa utilidade no para o capitaneamento de ativos necessários ao pagamento das despesas do dia-a-dia e, com isto, diminuirão o inadimplemento a curto prazo.

Mas e a longo prazo? E os bancos? A tendência destas prorrogações ou postergações de pagamento é aumentar as dívidas preexistentes junto às instituições financeiras, precisamente em razão dos encargos remuneratórios incidentes sobre as operações de crédito.

E mais, em que pese a obtenção de crédito esteja facilitada neste período, certo é que as taxas de juros anteriormente praticadas pelas instituições financeiras, a forma de capitalizá-las, os percentuais de correção moeda e os encargos de mora não continuarão os mesmos durante e após a crise. Trata-se de um incentivo velado ao endividamento?

O futuro é incerto. Não é possível prever como estarão, daqui a 6 ou 12 meses, os setores produtivos, industriais ou aqueles relacionados à prestação de serviços. Haverá demanda, mão de obra e emprego para esta parcela endividada da população?

E para aqueles que trabalham hoje para pagar as dívidas que vencem amanhã?

Mais à frente: como se comportarão os índices de inflação (que influem direta e significativamente em todas as operações financeiras)?

O tema assume especial relevância quando considerado que enfrentamos uma fase (transitória, espera-se) de incertezas sem precedentes, onde o futuro (como já se disse) é imprevisível e a exposição ao endividamento poderá, a longo prazo, impactar substancial e negativamente a vida dos brasileiros que, eventualmente, recorram ao sistema financeiro para a obtenção ou renegociação de crédito neste período.

Para muitos, agora, a aquisição de novos empréstimos pode significar uma verdadeira emboscada sem volta: a porta para o superindividamento no futuro.

Evidentemente não se está aqui a traçar uma perspectiva pessimista do futuro ou a dizer que a facilitação de acesso ao crédito representa o mal do século.

Admitimos e alertamos, no entanto, que a realização de novas operações crédito (especialmente aquelas atreladas a garantias reais hipotecárias e pignoratícias) neste período de extrema turbulência exige redobrada cautela, avaliando-se seus efeitos a curto, médio e longo prazo à luz do cenário jurídico, econômico, financeiro e político.

Diante disto tudo, nossa equipe especializada em direito contratual e bancário encontra-se preparada para orientá-lo no que for necessário, bem como proceder eventuais análises contratuais ou manejar as medidas judiciais cabíveis e necessárias à afastar o desequilíbrio porventura existentes nos contratos firmados no âmbito do sistema financeiros.

Curitiba/PR, 29 de abril de 2020.

Escrito por:

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Paulo Henrique Piccione Cordeiro
Advogado - OAB/PR 102.997 break Departamento Cível, Comercial e Societário break paulo.cordeiro@marangehlen.adv.br break

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